Milei ganha ‘poderes extraordinários’: o que muda com lei alvo de protestos violentos

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O Senado aprovou por um voto a chamada Lei de Bases, o pacote de reformas que o presidente argentino vem tentando implementar. Senado da Argentina aprova pacote de reformas de Javier Milei
Pouco depois de completar seis meses no poder, o presidente da Argentina, Javier Milei, obteve nesta quinta-feira (13) sua primeira vitória legislativa, com a aprovação da chamada Lei de Bases pelo Senado.
O pacote legislativo deve voltar agora à Câmara dos Deputados, por onde havia passado em abril, para aprovação final, já que os senadores introduziram algumas mudanças. Lá, vai ser discutido se o texto será aprovado com as alterações feitas no Senado ou será mantida a versão original aprovada há alguns meses.
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A votação, que se estendeu até a madrugada desta quinta-feira, estava empatada em 36 votos, mas o voto de minerva da vice-presidente do país, Victoria Villarruel, levou à aprovação do pacote legislativo.
Enquanto dentro do Parlamento se discutiam os principais pontos da lei, centenas de pessoas protestavam do lado de fora. Alguns manifestantes atiraram pedras, garrafas e coquetéis molotov, e dezenas de pessoas ficaram feridas em confrontos com a polícia.
A Lei de Bases e a reforma tributária que o Senado vai votar a seguir representam os pilares sobre os quais o presidente pretende realizar uma reforma liberal no país sul-americano.
Javier Milei da Argentina
Reuters/Via BBC
“Partindo de 38 deputados e 7 senadores, com grupos terroristas atacando o Congresso, tendo que mobilizar as Forças de Segurança em defesa da democracia, com a casta política resistindo e operando até o último momento, e tendo que recorrer ao desempate da vice-presidente da nação, Victoria Villarruel, esta noite é um triunfo para o povo argentino e o primeiro passo para a recuperação da nossa grandeza”, dizia um comunicado emitido pela Casa Rosada.
A Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos — seu nome completo — é uma versão reduzida da chamada “lei omnibus” que o governo Milei apresentou ao Congresso no início do ano, logo após assumir o cargo.
Embora o governo tenha reduzido seu tamanho — de mais de 660 artigos para cerca de metade —, os principais artigos da lei foram rejeitados em fevereiro pela maioria dos parlamentares na Câmara dos Deputados, levando Milei a ordenar a retirada do projeto legislativo, que voltou à estaca zero.
Após vários meses de negociação, o novo pacote, que contém 232 artigos, foi aprovado pelos deputados no fim de abril, e recebeu agora a aprovação do Senado, permitindo que se torne a primeira legislação que o governo de ideologia libertária consegue aprovar.
O debate sobre a Lei de Bases gerou protestos e confrontos em volta do Congresso
Getty Images/Via BBC
A seguir, confira as quatro principais mudanças apresentadas pela nova legislação.
1. Delegação de poderes
Um dos pontos mais importantes da Lei de Bases para o governo é que ela confere ao presidente poderes extraordinários por um ano, ao declarar “emergência pública em questões administrativas, econômicas, financeiras e energéticas”.
Isso vai permitir que Milei tenha, até meados de 2025, poderes que normalmente cabem ao Legislativo.
Desta forma, ele vai poder decidir sobre estas questões sem passar pelo Congresso.
Mas não será um poder absoluto.
Para conseguir a aprovação da lei, o Executivo aceitou algumas restrições, como se comprometer a não intervir nem dissolver cerca de 15 organizações públicas.
Entre elas, está o Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG), que armazena informações sobre pessoas desaparecidas, para poder determinar a possível filiação de crianças sequestradas durante a ditadura.
E também duas organizações ligadas ao campo: o Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar (Senasa) e o Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (Inti).
Além disso, o governo se comprometeu a garantir financiamento às organizações incluídas no Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Durante o período de delegação de poderes, o presidente pode legislar por meio de decretos, que devem então ser controlados pela mesma Comissão Legislativa Bicameral que controla os decretos de necessidade e urgência.
O debate se arrastou por horas no Senado, e a legislação foi aprovada com o voto de desempate da vice-presidente do país, Victoria Villarruel
Reuters/Via BBC
2. Regime de Incentivo a Grandes Investimentos
O Regime de Incentivo a Grandes Investimentos (Rigi) é uma das propostas mais polêmicas da Lei de Bases.
O Rigi prevê benefícios fiscais, aduaneiros e cambiais por 30 anos, além de estabilidade regulatória e proteção contra abusos do Estado, para projetos com valor superior a US$ 200 milhões, a fim de incentivar grandes investimentos, tanto nacionais quanto estrangeiros, no longo prazo.
É destinado a setores considerados estratégicos para o desenvolvimento do país, como o de energia, agricultura, mineração (incluindo extração de lítio) e infraestrutura.
Os projetos beneficiados pelo Rigi vão poder receber isenções ou reduções fiscais e facilidades administrativas para sua aprovação e implementação.
O governo considera o Rigi uma ferramenta fundamental para atrair capitais que possam dinamizar a economia argentina.
Eles argumentam que as constantes crises econômicas e defaults — suspensão do pagamento da dívida — fizeram com que os investidores desconfiem da Argentina, por isso são necessários incentivos especiais para atraí-los.
Mas os críticos afirmam que isso vai oferecer uma vantagem significativa às grandes empresas, especialmente às multinacionais, e que vai prejudicar as pequenas e médias empresas argentinas, que hoje geram 70% dos empregos.
A ex-presidente Cristina Kirchner alertou que o Rigi vai levar à exploração dos recursos naturais argentinos pelas mãos de empresas estrangeiras, gerando “uma economia extrativista sem valor agregado”, e estabelecendo uma “versão do século 21 do colonialismo”.
“Vai condenar mais uma vez os argentinos ao desemprego, que já começa a ser observado, e vai se aprofundar”, disse ela em discurso em maio.
O Rigi enfrenta uma forte oposição
Getty Images/Via BBC
3. Privatizações
A Lei de Bases vai permitir ao governo colocar à venda algumas empresas estatais.
Mas não serão todas as companhias do setor público, como propunha o projeto original apresentado por Milei.
Bem longe disso, na verdade. Das quase 40 empresas que estavam “sujeitas à privatização” na proposta inicial, apenas duas vão poder ser privatizadas. São elas: a Intercargo, que presta serviços aeroportuários a companhias aéreas, e a Energía Argentina S.A. (Enarsa), responsável pela prospecção e exploração de jazidas de hidrocarbonetos e pelo transporte e armazenamento de combustíveis.
Enquanto isso, a Aysa (Água e Saneamento Argentinos), a Belgrano Cargas e Logística, a Sociedade Operadora Ferroviária e a Corredores Viales estão sujeitas à concessão privada — ou seja, estão abertas à incorporação de capital privado, conforme consta no projeto.
Tanto a YPF, estatal argentina de petróleo, quanto a companhia aérea Aerolíneas Argentinas, vão continuar a pertencer ao Estado, assim como os meios de comunicação públicos (Rádio e Televisão Argentina).
A companhia Aerolíneas Argentinas vai continuar nas mãos do Estado
EPA/Via BBC
4. Reforma trabalhista
A Lei de Bases contém diversos artigos que buscam modernizar o regime trabalhista e incentivar o crescimento do emprego privado formal, que está estagnado há mais de uma década.
A legislação oferece benefícios para os empregadores que regularizarem seus funcionários.
Mas, ao mesmo tempo, elimina sanções contra o trabalho “informal”, acabando com o pagamento das indenizações especiais que hoje os empregados que não estão devidamente registrados recebem.
Segundo o governo, esta flexibilização vai levar mais empresas a contratar funcionários, uma vez que, atualmente, muitos empresários têm receio de contratar novos trabalhadores diante da possibilidade de enfrentar um processo trabalhista que pode levar uma pequena ou média empresa à falência.
No entanto, o Centro de Pesquisa e Formação da Central de Trabalhadores da Argentina (CIFRA-CTA) alertou que “ao reduzir o custo de violar a lei, se desencoraja seu cumprimento efetivo, por isso esta mudança vai tender a aumentar o emprego sem registro”.
Por outro lado, cria-se uma nova figura trabalhista: o trabalhador independente com colaboradores, que permite a um empreendedor contar com o trabalho de até cinco pessoas sem relação de dependência e formalização de contrato, o que segundo os críticos vai fazer com que aumente a precarização do trabalho.

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