Governo e mercado veem dívida pública em tendência de alta; entenda efeitos na economia e comparação com outros países

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Dívida pública pressionada pode influenciar crescimento da economia, geração de empregos e investimentos produtivos. Analistas argumentam que controle das contas é necessário para que a dívida tenha um perfil melhor. Presidente do Banco Central, Campos Neto, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante debate no Senado
TON MOLINA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
A equipe econômica e o mercado financeiro veem a dívida pública brasileira em crescimento nos próximos anos, mesmo que em ritmos diferentes, o que pode influenciar a taxa de juros da economia — com reflexo nos investimentos produtivos, no crescimento do país e na geração de empregos.
No início de maio, a agência de classificação de riscos Moody’s mudou a perspectiva da avaliação de “estável” para “positiva” do Brasil e citou que, entre outros fatores, um “crescimento mais forte” da economia e uma “consolidação fiscal” (medidas para melhorar as contas públicas) podem estabilizar o peso da dívida. Mas apontou que “há riscos” para a continuidade dessa melhora.
Em março deste ano, a dívida do setor público consolidado, usada na comparação internacional, subiu para 75,7% do PIB. É o nível mais alto em cerca de dois anos.
Para o governo, a dívida avançará até 79,7% do PIB em 2027 (cenário base), mas há possibilidade de que atinja 90,1% do PIB em 2028 (caso as previsões para as contas públicas e para o PIB sejam piores). Os números estão na LDO de 2025, divulgada em abril.
Para o mercado financeiro, de acordo com pesquisa feita na semana passada pelo BC com mais de 100 instituições financeiras, a dívida pública atingirá o pico de 87,5% em 2032, recuando posteriormente.
A dívida brasileira está abaixo de nações desenvolvidas, próxima de países da União Europeia e acima nações emergentes, e da América Latina e Caribe.
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A avaliação da Moody’s foi feita antes que o país e o mundo conhecessem o impacto das maiores chuvas da história do Rio Grande do Sul.
A catástrofe climática deve impactar negativamente as contas públicas. Isso, porque o governo propôs e o Congresso aprovou um “orçamento de guerra” para lidar com a calamidade. O governo não precisará incluir esses gastos nas metas fiscais, mas terá que ampliar a dívida para custear essas despesas.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou o aumento da dívida brasileira.
“Eu às vezes fico um pouco irritado com esse negócio de déficit fiscal, se vai ser déficit, se não vai ser déficit. Isso é uma discussão que nenhum país do mundo se faz. Em nenhum país do mundo. A dívida pública bruta dos EUA é 112% do PIB. A dívida do Japão é 235% do PIB. A dívida da Itália é quase 200%. Ou seja, esse não é o problema”, declarou Lula , em evento no Palácio do Planalto.
Ele afirmou que não pode ficar com o “sistema financeiro todo santo dia só olhando déficit fiscal [das contas públicas] e não olhar déficit social”.
E acrescentou que não vai gastar mais do que precisa. “Mas se eu tiver que gastar para construir um ativo novo, estou fazendo que nem um empresário que tem um mercado mais promissor”, declarou Lula.
O economista Guilherme Tinoco, pesquisador associado do IBRE/FGV, explicou que o Brasil, como uma nação emergente, não pode ter um endividamento tão alto quanto o de países desenvolvidos.
“E uma das razões muito claras é que a taxa de juros que os países desenvolvidos pagam é menor, porque os países são mais confiáveis, têm um histórico melhor como pagador. Então, esses países conseguem ter um nível de dívida maior, porque os agentes sentem-se mais seguros. É um devedor com ‘rating’ [avaliação de risco] melhor, tem um histórico melhor. É basicamente por isso, afirmou Guilherme Tinoco, do do IBRE/FGV.
Por que isso é importante?
A relação entre dívida e PIB é um indicador relevante para o mercado financeiro, interpretado como um sinal da capacidade do país de honrar seus compromissos financeiros de curto, médio e longo prazo. Quanto maior a dívida em relação ao PIB, maior o risco de um calote em momentos de crise.
Além do patamar da dívida, a performance das contas públicas também é avaliada por investidores.
O Tratado de Maastrich, por exemplo, assinado em 1992 pelos países da União Europeia, diz que as nações do bloco devem buscar um déficit fiscal inferior a 3% do PIB (pelo conceito nominal, que inclui o pagamento de juros). Em 2023, o déficit nominal do Brasil somou 8,9% do PIB — o equivalente a R$ 967 bilhões.
A lógica é que déficits elevados impulsionam a dívida pública com mais intensidade — dificultando a capacidade de pagamentos dos países.
Guilherme Tinoco, da FGV/IBRE, disse que o ritmo de crescimento da economia, além de outros indicadores, como inflação, resultados das contas externas e o patamar das reservas internacionais brasileiras — acima de US$ 350 bilhões atualmente — também são acompanhados por investidores.
“A dívida pública, ela impõe um pagamento de juros ao país. Então, quando a dívida vai crescendo, você vai aumentando uma parcela de juros, porque é sobre um estoque [valor total] maior, e se ela for muito alta, se ela for percebida como muito alta, ou destoar muito dos outros países comparáveis. Ou se as pessoas começarem a perceber que o governo pode não ter condição de pagar, você pode ter uma situação em que o governo precisa subir muito o juro para conseguir tornar essa dívida atrativa, mas isso vai prejudicando também toda a economia”, declarou.
Presidente do Banco Central
No começo do ano passado, em meio a ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para baixar a taxa de juros da economia, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, explicou no Congresso Nacional como a dívida pública influencia a taxa de juros brasileira.
“Na parte dos juros, a gente não pode confundir causa e efeito. A dívida não é alta porque o juro é alto. É o contrário, o juro é alto porque a dívida é alta. Quando você endividado vai ao banco, e o banco faz uma análise que você é endividado e não paga a dívida, o juro é alto”, declarou Campos Neto, na ocasião.
Por conta disso, os economistas do mercado financeiro cobram que a equipe econômica do governo Lula, chefiada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, busque inicialmente o equilíbrio e, depois, resultados positivos nas contas públicas.
A lógica é que, contas no vermelho, pressionam ainda mais a dívida pública para cima. O objetivo é justamente impedir um impacto maior nos juros, algo que limita o crescimento do país.
Haddad tem defendido o equilíbrio das contas públicas. No ano passado, ele declarou que isso é o “melhor para o país”. O ministro tem advogado um “pacto” entre os poderes para melhorar as contas públicas.
“E o que eu puder fazer para que esse equilíbrio seja atingido, eu vou fazer, incluindo antecipar medidas de 2024 para 2023, que estavam previstas para o ano que vem. Então, é essa a minha obrigação, porque essa é minha crença. Não é porque eu… Repito: eu não estou fazendo algo que eu não acredito”, afirmou Haddad, no último ano.
Mudança das metas para as contas públicas
Em 2023, o governo registrou um déficit primário de R$ 230,5 bilhões em 2023. É o segundo pior resultado de toda série histórica, iniciada em 1997. A área econômica informou que o resultado foi impacto pelo pagamento de R$ 92,4 bilhões em precatórios.
O governo manteve a meta de déficit zero para este ano, embora completamente desacreditada pelo mercado financeiro (que vê rombo próximo de R$ 80 bilhões em 2024), e propôs em abril reduzir as metas de superávit primário para as contas públicas dos próximos anos.
Para 2025, propôs a mudança da meta fiscal de um superávit de 0,5% do PIB (+R$ 62 bilhões) para uma meta fiscal zero, sem déficit nem superávit.
Para 2026, propôs alterar a meta de um saldo positivo de 1% do PIB (cerca de R$ 132 bilhões) para um superávit menor, de 0,25% do PIB — cerca de R$ 33 bilhões
Na prática, ganhou um espaço para gastos públicos é de cerca de R$ 161 bilhões nos próximos dois anos.
Apesar das metas de que as contas voltem ao azul, as últimas previsões oficiais dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento são de que as contas terão rombo até 2026 — o último da atual gestão. E que voltarão a ter superávit somente em 2027.
Desafios para conter a dívida
A retomada de superávits nas contas públicas é importante justamente para conter o crescimento da dívida e evitar uma trajetória mais alta para a taxa de juros na economia.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, vem alertando desde o ano passado que o governo precisaria de um superávit anual de 1,5% do PIB para conter a trajetória de expansão da dívida pública.
Após o governo propor a mudança das metas fiscais, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que o trabalho da instituição para buscar as metas de inflação ficou mais “custoso e difícil”.
Nesta semana, o BC decidiu reduzir o ritmo de corte de juros para 0,25 ponto percentual, fixando a Selic em 10,5% ao ano. A decisão foi dividida, com os diretores indicados pelo governo Lula votando por uma redução maior.
Isso porque o aumento de gastos do governo, liberado com a mudança das metas de 2025 e de 2026, tende a impactar a inflação.
E o mercado financeiro, também preocupado com a perspectiva de juros altos nos Estados Unidos por mais tempo, já começou a prever cortes menores de juros neste e no próximo ano.
“A evidência do que vimos nos últimos dias nos mostra que o mercado ficou mais preocupado com relação ao fiscal [contas públicas], e qual vai ser o equilíbrio fiscal no futuro, com efeito no prêmio de risco, o que torna o trabalho mais difícil e custoso”, afirmou Campos Neto, em meados de abril.
Economistas ouvidos pelo g1 avaliaram que a equipe econômica, enquanto aprovou medidas para elevar a arrecadação neste ano, tem falhado ao não dar ao corte de gastos o mesmo peso que tem dado à elaboração de medidas de aumento de arrecadação.
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Comparação internacional
Se a tendência é de alta na dívida brasileira, o mesmo acontece com a maior parte dos blocos econômicos. Com a escalada da inflação nos países desenvolvidos no ano passado, essas nações foram obrigadas a subir os juros — o que pressiona para cima seu nível de endividamento.
Esse fator tem sido apontado pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, como um dificultador para os países emergentes em buscarem recursos nos mercados internacionais — se os juros das nações ricas estão altos, o mercado cobra, também, taxas maiores (em relação ao padrão) dos emergentes.
Pela contabilidade brasileira, a dívida pública somou 75,5% do PIB em fevereiro. O FMI, entretanto, contabiliza títulos que estão na carteira do Banco Central. Por esse critério, a dívida somou 84,7% naquele mês.
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Em entrevista ao g1, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que o momento atual, de tensão nos mercados e de redução dos recursos disponíveis na economia mundial, reforça a necessidade de continuar perseguindo o equilíbrio das contas públicas.
“Todo esse ruído — e claro que têm fatores de ordem geopolítica com o mercado americano super tenso —, tem um efeito grande sobre nós. Até o efeito sobre câmbio mostra que o cenário externo demanda que esse compromisso seja irretratável, que essa sinalização seja reforçada, não só pelo Executivo, mas pelo Judiciário e pelo Legislativo”, afirmou Ceron.
Ele avaliou que, mesmo com a redução das metas fiscais — que liberou espaço adicional para gastos públicos nos próximos anos — será preciso aprovar novas medidas de aumento de imposto ainda neste ano para buscar os objetivos traçados e evitar uma deterioração maior das contas públicas.
“Têm medidas [para elevar a arrecadação] que vão ser feitas ainda. Para atingir esses objetivos, temos de continuar perseguindo eles, adotando medidas. Se tivermos uma ruptura no compromisso com a recuperação fiscal do país por qualquer um dos poderes, nós teremos dificuldades nesses objetivos”, declarou o secretário Rogério Ceron, ao g1 e à TV Globo.

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