A confusão envolvendo Dudu e as idolatrias arranhadas

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Impressiona como jogadores do mais alto nível e com as mais destacadas trajetórias têm dificuldade em preservar a sua própria grandeza. A confusão envolvendo o atacante Dudu, Cruzeiro e Palmeiras só não pode ser definida como uma comédia de erros porque acabou com quase todas as partes profundamente irritadas. É possível imaginar o estopim da trama: talvez, em alguma noite qualquer, o atacante estivesse de pernas para o ar, bem tranquilo, já praticamente recuperado da lesão e desfrutando de memórias de títulos passados, quando de repente ouviu o sussurrar do cramulhãozinho que senta no nosso ombro esquerdo e sempre aparece dez minutos antes do cidadão rumar para a cama, com a intenção de semear alguma discórdia. E pensou: e por quê não?
A conversa com o Cruzeiro detonou uma espécie de roteiro dirigido pelos irmãos Cohen onde todas as partes envolvidas tomam decisões absolutamente equivocadas. Tanto que o clube mineiro, hoje sob a batuta de uma SAF, modelo administrativo que teoricamente deveria diminuir o amadorismo no futebol, resolveu anunciar o atacante em suas redes sociais, mesmo sem um contrato assinado. Ou caiu no conto da inocência, sempre fatal no ambiente futebolístico, ou jogava com o fator atmosférico da torcida e o rebuliço que a notícia causaria para não deixar outra escolha a Dudu, tentando, para usar termos restritos à comunidade científica, dar uma de João Sem Braço. 
O problema foi justamente que o anúncio repercutiu de forma trovejante, tanto em palestrinos de todas as procedências quanto nos allheios, sempre ansiosos para assistir um furdunço de camarote, pois trata-se de um nome histórico do Palmeiras. E, diante de tudo isso, não havia um contrato assinado pelo jogador — este mecanismo primordial para consolidar um negócio, desprezado pela SAF do Cruzeiro. E aí surgiram, devidamente acomodadas no outro ombro de Dudu, algumas vozes que lhe convidaram a ponderar sobre o problemático desfecho com a camisa alviverde, que flertava com a loucura e beirava o desrespeito.
Quando a frigideira já crepitava, Leila Pereira surgiu para tentar esfriar o óleo com a querosene de seu avião. Largou um par de ases ao afirmar que tudo estava certo entre os clubes e o ciclo de Dudu no Palmeiras havia chegado ao fim. Também aproveitava para informar que a decisão de deixar o clube partira do próprio atacante, resguardando a sua administração de qualquer possível acusação de descuido com um dos nomes mais emblemáticos da moderna história palmeirense. Entre a cruz, a espada, a frigideira e o tribunal popular, balanceando as vozes que ecoavam em cada um dos ombros, Dudu decidiu que ficaria no Palmeiras. O que originou inclusive um comunicado do Cruzeiro, informando que havia retirado a proposta e manifestando profundo rancor com tudo que não seria vivido — o dolorido divórcio de um casamento imaginário.
Diante de tão descabido alvoroço, que partiu do nada para chegar a lugar nenhum, motivado exclusivamente pela incontrolável propensão humana a causar desconforto a si mesmo, ou, como diria algum filósofo existencialista de Guajuviras, pela vontade de “arranjar sarna para se coçar”, o que causa mais espanto é como jogadores do mais alto nível e com as mais destacadas carreiras têm dificuldade em compreender seu próprio tamanho e preservar a sua própria história. E, neste caso, nem é preciso recorrer ao tão impunemente evocado “amor pela camisa”, afinal de conta cada um escolhe os seus amores, mas de ter noção da grandeza de sua própria trajetória. 
Obviamente, Dudu pode ir para qualquer lugar, decidir seu destino, escolher as vozes que ouve, mas seria mais compatível com tudo que construiu junto com o Palmeiras (e os palmeirenses) que fosse um desfecho planejado, com direito a despedidas e comoção generalizada, quermesses, desfiles e placas comemorativas. Depois de tudo (que não aconteceu), hoje Dudu provavelmente continua ídolo, mas seu verniz acabou um tanto chamuscado. E tudo isso porque, por um momento, sentiu uma coceira na orelha e preferiu desprezar a liturgia das grandes despedidas.
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