Com 8 técnicos em 12 anos, Barcelona enfrenta Napoli por sobrevivência e reflexão

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Derrota pode impactar a reconstrução do clube catalão, que busca novo treinador para a temporada A vida do torcedor do Barcelona vem sendo dura nos últimos anos. Tão dura que nem uma vaga nas quartas-de-final da Liga dos Campeões, que será decidida nesta terça (12) contra o Napoli, conseguirá aplacar a crise que o clube vive nos últimos anos.
Basta relembrar a última vez que o Barcelona esteve nas quartas: o ano do fatídico 8 a 2 do Bayern, considerado por muitos “Culés” como o maior vexame sofrido nos 125 anos de existência do clube.
Muita coisa mudou desde lá, não exatamente para melhor. O clube apostou alto no ídolo Ronald Koeman, se viu envolto numa briga política que resultou no ex-presidente Sandro Rossel na cadeira (e a quase ida de Josep Maria Bartomeu) e uma traumática saída do maior ídolo possível, Messi.
Diante da necessidade de reconstrução, o Barça adotou uma fórmula conhecida e que já deu muito certo: apostou em Xavi, um dos maiores ídolos do clube como jogador.
Xavi no comando do Barcelona na vitória sobre o Alavés
Getty Images
Não havia nenhum torcedor que não quisesse ele no comando. Falta de experiência? Apenas um trabalho? Tudo bem. Ter Xavi vestindo a camisa do Barcelona representava a volta do sonho, daquilo mágico que aconteceu entre 2008 e 2012. Num momento tão dramático, onde tudo parecia tenebroso e o mundo ainda se via numa pandemia, Xavi era a esperança.
Dois anos e três meses depois, o sonho não se tornou realidade. O treinador anunciou sua saída ao final da temporada de forma brusca e inesperada. Um movimento considerado chocante e que foi finalizado com uma frase que ecoou para muita gente: “É impossível treinar o Barça”.
Tomei a decisão há vários dias. Acredito que essa decisão irá ajudar a trazer novos ares para o time e o clima aqui. Eu penso que o clube precisa de uma nova dinâmica e falei isso ao presidente Joan Laporta. Como torcedor, pensando no clube e nos jogadores, acredito que eles estão mais calmos e concentrados. Precisamos de uma mudança de direção e acho que, do fundo do meu coração, minha saída será o melhor para o clima atual.
O que deu errado para uma aposta tão grande ir embora de forma tão dramática? É preciso olhar para o passado e entender os pontos bons e ruins do trabalho do futuro ex-treinador.
Chegada em momento de crise e reconstrução
Xavi chegou em novembro de 2021 após a situação de Koeman se tornar insustentável. Sua apresentação levou milhares de torcedores num momento onde a pandemia ainda era uma realidade. Com Joan Laporta reconduzido à presidência, a missão era clara: reduzir a folha salarial, trazer de volta a rentabilidade financeira e aplacar a grave crise. Naquele momento, a dívida do clube chegava ao patamar de 1 bilhão de euros.
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O treinador teve carta branca para fazer uma clara limpeza no elenco. Liberou Philippe Coutinho, trouxe jogadores sem custo como Ferrán Torres e Aubameyang e conseguiu boas vitórias no começo de 2022. Ainda que não fosse brilhante, o 4-3-3 que se desenhava com Daniel Alves como lateral “meia”, De Jong com mais liberdade para encostar no ataque e Gavi como um falso-ponta pela esquerda para liberar Alba tinha suas virtudes.
Tinha a bola e tocava de forma mais direta, mas ainda sofria na defesa, o que custou um alto preço na eliminação na fase de grupos na Liga dos Campeões.
Óscar Hernández e Xavi Hernández em treino do Barcelona
EFE
A metade de 2022 começava a ser animadora. O acordo com o Spotify injetou dinheiro e aliviou as dívidas, reduzidas pelo retorno do público ao Camp Nou. Apostando alto na base construída por Xavi, Laporta decidiu que era hora de ousar e trouxe Lewandowski, o 3º maior artilheiro da Champions, como forma de remediar o luto por Messi.
As novas contratações azeitaram o 4-3-3 do treinador. Gavi foi devolvido ao meio, numa trinca com Busquets e De Jong. Raphinha dominou o lado direito com seu vai-e-vém de marcação, e o Barcelona virou uma muralha na Espanha: 25 jogos sem levar gol no Campeonato Espanhol, a melhor defesa da Europa na temporada. Na mais emblemática vitória, o 3 a 1 contra o Real Madrid que garantiu a Supercopa, o Barcelona parecia, enfim, ter tomado um rumo.
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Barcelona venceu dois títulos com Xavi na temporada 2022/23
Reprodução
Mesmo que dominante com a bola, com diversos mecanismos como a saída de três com Busquets e o meio preenchido com Gavi, De Jong e Torres buscando se movimentar no meio e liberar espaço para Lewa, o Barcelona era melhor quando tocava, fazia o gol e resistia. Nos jogos onde o protagonismo era exigido a todo tempo, a equipe de Xavi padeceu: foram sete gols levados em três jogos da Champions em outubro de 2022. Fracasso na Europa, novamente.
Depois da Copa do Mundo, outro baque: uma derrota para um combalido Manchester United na Liga Europa. Nenhum torcedor entendeu como
É aí que entra o lado “impossível” de treinar o Barcelona. Profundo conhecedor da filosofia que une as gerações mais vencedoras do clube com Michels, Cruyff, van Gael e Guardiola, Xavi sempre soube que era impossível repetir a fórmula. Por isso, sacrificou o desejo dos fãs de bom futebol por uma solidez que fizesse caixa, títulos e acalmasse ânimos.
Após a conquista do Espanhol, o nível de futebol caiu – três derrotas nos últimos quatro jogos do campeonato. Na virada da temporada, o Barça perderia três pilares: Piqué iria se aposentar, Busquets e Alba iriam viver a boa vida em Miami. Tudo isso num momento em que a experiência faria falta na primeira temporada sem o Camp Nou, fechado para reformas do projeto “Espai Barça”.
Gundogan chegou como capitão do campeão europeu, João Félix e João Cancelo são titulares em qualquer clube do mundo. Com o crescimento de Pedri e Balde e a chegada de Deco como diretor de futebol, a temporada elevou drasticamente a cobrança dos torcedores e da diretoria.
Todos os elementos de um trabalho vencedor estavam lá: um bom elenco, um treinador com respaldo e tempo, uma diretoria afinada. E ainda a chegada de Vítor Roque para relembrar os tempos de Neymar e Ronaldinho.
Vitor Roque com a camisa 19 na apresentação no Barcelona, entre o vice-presidenta Rafa Yuste e o diretor esportivo Deco
EFE/ Quique García
Mas o bom futebol não veio. No lugar dele, o Barcelona mostrava um sofrimento incrível para vencer – como jogos contra o Atléti e Almería mostravam – e a fragilidade na Europa voltava a aparecer, como na inesperada derrota para o Antwerp e a dura goleada para o Real Madrid, na Supercopa. A saída da Copa Del Rey foi só o estopim que fez Xavi anunciar sua saída.
Muitos treinadores fazem bons trabalhos quando não são submetidos à constante pressão por títulos em clubes grandes. São gestores de elencos, estabelecem processos dentro do campo e nos setores de análise e contratação. Seus treinos são bons e dão unidade ao time. Mas de uma certa forma, falta algo nos momentos decisivos. Estrela? Sorte? Capacidade?
Xavi certamente não fez um trabalho ruim no Barcelona, mas irritou com a falta de “punch” que o time mostrou em todo e qualquer momento decisivo fora da Espanha nos últimos três anos. Seu trabalho fez a torcida cule finalmente valorize Ernesto Valverde, que mesmo com as falhas épicas na Liga dos Campeões, ousou jogar e vencer em torno de Messi.
Xavi, técnico do Barcelona, em coletiva de imprensa
REUTERS/Albert Gea
O futuro que se desenha em Barcelona está em branco. Pela primeira vez desde Guardiola, o clube não tem um ex-ídolo para jogar a pressão. Será a primeira vez que os culés buscarão um treinador fora da bolha, como foi com Bobby Robson nos anos 1990. Não haverá mais alguém a quem culpar pelo fracasso a não ser o próprio elenco, que segundo relatos, se desgastou com Xavi.
Enquanto nomes como De Zerbi e Hansi Flick são discutidos, o Barça passou por cerca de 120 jogadores e 8 treinadores em 12 anos. Passando ou não pelo Napoli, a nova janela de transferências irá levantar os desafios de reformular (de novo) o elenco sem finanças confortáveis (de novo), tudo isso com um treinador capaz de alimentar a cobrança por vezes forte demais da torcida tradicional.
É uma missão que pareceu possível, mas logo se tornou impossível para qualquer um que passou no banco de treinadores do clube nos últimos anos.
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