Da narração irreverente ao Dinho lateral-esquerdo: conheça o lado B de bola dos Mamonas Assassinas

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Familiares contam histórias da banda ligadas ao futebol; veja integrantes em ação num jogo “Se der uma chuva de Xuxa, no meu colo cai Pel锹. “Fome, miséria, incompreensão, o Brasil é ‘treta’ campeão”²!
O futebol marcou presença sutil nas divertidas letras das músicas dos Mamonas Assassinas nos anos 90. Mas, na curta vida da banda, os integrantes e o esporte eram como “feijão e arroz temperados com Sazón”³. E quis o destino que o último show fosse num estádio: o Mané Garrincha, em Brasília, no dia 2 de março de 1996.
+ 28 anos sem os Mamonas: como hit da banda invadiu estádios pelo Brasil e mantém legado vivo
Familiares contam histórias dos Mamonas Assassinas ligadas ao futebol
Vinte e oito anos depois do trágico acidente de avião que vitimou Dinho, Bento Hinoto, Júlio Rasec e os irmãos Sérgio e Samuel Reoli no retorno a São Paulo, todos jovens entre 22 a 28 anos, a banda virou filme nos cinemas brasileiros. Pegando carona na saudosa Brasília Amarela, o ge foi a Guarulhos atrás de histórias do lado torcedor dos Mamonas (veja no vídeo acima).
Narrações divertidas e peladas da banda
Há alguns anos, Ana Paula Barbosa achou uma gravação de seu irmão, Júlio, com os integrantes da banda narrando de forma irreverente um jogo fictício de futebol. E compartilhou na internet (ouça abaixo).
Como seria uma narração de futebol dos Mamonas Assassinas? Ouça!
– Eles sempre que podiam faziam isso. Essa ideia veio do meu irmão, que fazia isso nas festas da igreja quando participava do grupo de jovens. Ele um dia comentou com o Dinho, que usava “Privada FM” para anunciar o que haveria nas festas da igreja. O padre não gostava muito, afinal, ficava todo mundo perguntando quando seria o próximo informativo da “Privada FM, onde quem faz a bosta é você” – conta Ana Paula.
Antes mesmo da fama, Dinho e companhia davam seus shows no microfone. Mais do que narrar, os caras gostavam mesmo era de jogar. Desde a origem da banda, eles batiam bola em uma quadra na Associação Japonesa de Itaquaquecetuba.
– A gente tinha um futebolzinho antes de estourar os Mamonas. Toda segunda-feira à noite a gente jogava lá. O Dinho ia, Sérgio e Samuel também iam, o Júlio ia, e alguns amigos. O Fabinho do Negritude (Júnior) chegou a jogar com a gente – diz Maurício Hinoto, irmão de Bento e responsável por apresentar o guitarrista para Sérgio, ajudando a formar a banda Utopia, precursora dos Mamonas Assassinas.
Nessa época, também rolava futebol num sítio dos tios de Sérgio e Samuel em São Benedito das Areias, distrito de Mococa, no interior de São Paulo. Primo do baterista e do baixista, Henrique Oliveira lembra uma pelada inusitada certa vez em que Dinho também viajou com a turma:
Sérgio e Samuel e o sítio onde os Mamonas jogavam bola em São Benedito das Areias
Divulgação
– A gente nem chama de campinho porque mal era plano, mas nós colocamos umas traves de bambu e batíamos uma bolinha. Um dia aparece na estrada um tratorzão clássico, com uns oito a dez trabalhadores rurais na caçamba. Bem estilo peãozão boiadeiro: calça jeans, chapelão, aquelas botinas da roça. Na época, o Dinho e o Samuel ainda não eram famosos, estavam na fase de gravação do DVD, se não me engano. Os caras viram a gente jogando, aí desceram do trator e foram entrando: “E aí, vamos jogar? Dois golzinhos”.
– A gente olhou e pensou: “Esses caras de calça jeans e botina não vão parar de pé aqui”. Não demos nada pelos caras, mas eles deram a saída de bola, três, quatro toques e gol. Não vimos a cor da bola. Outra saída, três, quatro toques, gol dos caras. Fizeram os dois gols em três minutos, nem se despediram direito: “Valeu, valeu”. Formaram aquela fila indiana e saíram correndo para o trator. Nós ficamos um olhando para a cara do outro. E eles nem têm ideia com quem jogaram esse dia (risos).
Como no tradicional “bloco das piranhas” do Carnaval, também havia um futebol anual em Guarulhos onde os garotos jogavam vestidos de garotas. E Dinho, que futuramente adotaria o visual como parte dos shows dos Mamonas, não perdia um:
– Todo ano tinha um jogo dele e dos amigos no Cecap em que iam vestidos de mulher. E ele fazia questão de sair de casa vestido. A maioria se trocava lá. Ele não. A gente morava no bairro vizinho, ele andava bastante vestido de mulher, camisola, maquiado, peruca… Iam ele e o amigo Davi pulando na rua (risos) – recorda Grace Alves, irmã do vocalista.
Veja os Mamonas Assassinas jogando futebol
As únicas imagens da banda jogando são de uma pelada na chácara de Chitãozinho e Xororó, em vídeo postado pelo canal Mamonas Cover Show no YouTube. A gravação traz lances de Dinho, Sérgio e Samuel mostrando (ou não) suas habilidades (veja acima).
A rotina corrida de uma banda de sucesso diminuía aos poucos os espaços na agenda para jogar bola. Mas, sempre que eles iam fazer show em um estádio, armavam um joguinho prévio no local.
– Jogar ele não tinha mais tempo. Mesmo assim, nós fomos a um show deles em Sorocaba e fizeram um joguinho antes no campo do São Bento. Foi lá que ele fez um gol de bicicleta. Uma daquelas sortes que dá (risos), né? – diverte-se Hildebrando Leite, pai de Dinho.
Dinho, Júlio, Samuel e Sérgio: integrantes dos Mamonas Assassinas em jogo com amigos
Divulgação
Sempre se dava um jeitinho, mesmo depois de os Mamonas Assassinas estourarem em todo o país.
Depois do sucesso, ele ia passando na Rua Jéssica (em Guarulhos), e os moleques estavam jogando. Ele parou (o carro) e jogou cinco minutos para cada lado”.
E, na falta de tempo, até o aeroporto virava uma “quadra improvisada”:
– Tem uma cena em que o Dinho chuta uma mala, não sei se é o Samuel ou o Sérgio que agarra e fala: “Taffareeeel”. O bagulho deles era diversão. Na verdade, o esporte deles era a zoeira – afirma Simone de Paulo, amiga de Dinho e de Sérgio e que apresentou os dois para se juntarem na banda.
Ex-jogadores ligados aos Mamonas
Quando a banda virou febre no país, entre 1995 e 1996, caiu no gosto também de muitos jogadores. Um dos poucos que tiveram a sorte grande de virar amigo dos roqueiros foi o ex-volante Zé Elias, que também é de Guarulhos. E foi com direito a uma história para lá de curiosa no início da carreira, quando tinha 18 anos e foi fazer a prova para tirar a carteira de motorista.
– Cheguei lá, e o cara falou: “Vai fazer a prova? Não vai, não. Não pode entrar de bermuda”. Estava descendo a escada cabisbaixo e vejo um rapaz que estava no bar do outro lado da rua atravessar. “Opa, tudo bem? Veio tirar a carta, né? De bermuda não pode. Já fiz isso também. Mas toma, eu te empresto a minha calça, depois a gente conversa”. Peguei, fiz a prova, devolvi a calça, e ele falou assim: “Pô, eu sou de uma banda aqui de Guarulhos e vamos lançar um clipe, você participaria”? “Claro, sem nenhum problema, vai ser um prazer”. Aquela coisa de Guarulhos, comunidade, todo mundo junto.
Zé Elias tem até hoje o CD dos Mamonas Assassinas e passou o gosto para os filhos
Arquivo Pessoal
– Passou o tempo, depois estoura o Mamonas, aquela coisa. Aí um dia estou em casa e minha mãe disse: “Ô, Zé, o Dinho tá aí”. E eu tinha um amigo chamado Binho. Falei: “Manda o Binho entrar”. Mas quando eu vejo era o Dinho. “Que legal, parabéns pelo trabalho, comprei o seu CD e tal”. E ele: “Você não tá lembrado de mim, né? Eu te emprestei a calça para você tirar a carta”. E dali surgiu uma amizade. Sempre que podia ele passava lá em casa. Lembro da minha mãe perguntando para ele: “Ô Dinho, da onde você tira tantas coisas?”. Ele falou: “Do trono, tia. De onde mais eu vou tirar? (risos)”.
O tal clipe era o da música “Pelados em Santos”, mas Zé Elias não chegou a participar porque perdeu contato com Dinho. Depois que o vocalista achou sua casa e apareceu por lá, o volante ficou próximo da banda e chegou a subir com eles ao palco no dia em que os Mamonas fizeram o tão esperado show no ginásio Thomeuzão, em Guarulhos, onde haviam sido barrados quando ainda eram Utopia.
– Ele vinha a cada 15, 20 dias. Sempre que podia passava aqui, nem que fosse para ficar cinco minutos. Às vezes nem dava para conversar muito, ele tomava um café: “E aí, como que tá? E o Corinthians? Pô, não pode perder e tal”. A gente conversava de tudo: eu gosto de guitarra, então conversávamos de música, de carro… Acho que a gente conversava mais de carro do que de futebol. Ele queria comprar um Viper da Chrysler e estava vendendo o dele. Era um Mitsubishi 3000GT, branco pérola. Falei que ia comprar: “O seu carro é meu, pode deixar”. Mas não deu tempo.
Zé Elias com Dinho no palco em show dos Mamonas Assassinas em 1996
Reprodução
Zé Elias esteve no velório e, dois meses depois, também viveu um acidente de avião. Quando o Corinthians voltava de Quito, no Equador, onde venceu o Espoli pela Libertadores, o Boeing derrapou na pista na decolagem, chocou-se contra o muro do aeroporto e quase despencou em uma avenida.
– Nós quase sofremos um acidente fatal, parou a poucos metros das casas. Não tinha internet, então todo mundo ligou para casa avisando, depois os repórteres ligaram e as notícias começaram a surgir. E a primeira pessoa que chegou na minha casa para dar um abraço na minha mãe e no meu pai foi o Seu Hildebrando. Ele falou para a minha mãe: “Fica calma que o teu filho está voltando. Daqui a pouco ele está aí e você vai abraçá-lo”. Pelo que ele vivenciou e continuava vivendo, fazer isso foi uma coisa inesquecível, foi marcante na vida da minha família.
Outro jogador que teve ligação com a banda, mas esse à distância, foi Iranildo. O meia era um grande fã e, quando tinha 19 anos e jogava no Flamengo em 1996, recebeu o apelido que o acompanha até hoje por causa da música Pelados em Santos, a sua favorita.
Apelido de Chuchu para Iranildo pegou e foi adotado até pela imprensa
Reprodução / O Globo
– Nos anos 90 era uma febre, e eu era fã mesmo. Eu sempre fui tímido, mas toda vez que a gente ganhava eu ficava cantando no vestiário. Como fomos campeões cariocas invictos em 1996, quase todo jogo tinha música (risos). Aí o Joel (Santana), que sempre gostava de colocar apelido nos outros, falou: “Você vai ser o chuchuzinho por causa da música”. E o Romário ficava: “Coé, chuchu. Fala, chuchu”. E de lá para cá pegou – conta o ex-jogador, que esteve no último show dos Mamonas no Rio de Janeiro, no Shopping Via Parque, menos de um mês antes do acidente.
Antes de chegar ao Flamengo, Iranildo foi campeão brasileiro com o Botafogo em 1995. E lá também fez sucesso como fã da banda. Tanto que durante a campanha do título, jogadores e diretoria fizeram uma surpresa para ele e o presentearam com uma Brasília amarela antes. Como era muito novo e ainda não sabia dirigir, ele se solidarizou e deu o carro para o massagista Paulão não precisar pegar mais três ônibus para ir trabalhar no clube.
Iranildo no dia em que ganhou uma Brasília amarela em treino do Botafogo em 95
Reprodução / TV Globo
Dinho, um corintiano roxo “quase” jogador
– A gente em casa tem uma democracia: ou torce para o Corinthians ou para o Corinthians (risos).
Hildebrando Leite e Célia Alves tiveram três filhos: Dinho, Marcos e Grace, que foi a autora da frase acima. Do trio, o mais corintiano era Dinho.
– Ele torcia para dois times: para o Corinthians e para o Palmeiras acabar – brincou Seu Hildebrando.
Dinho com sua camisa favorita do Corinthians
Arquivo Pessoal / Jorge Santana
Primogênito da família, Dinho foi catequizado de berço pelo Corinthians. O pai, que já era frequentador dos estádios, passou a levar o filho ainda pequeno aos jogos no Pacaembu. E mais tarde Dinho fez o mesmo com a caçula, Grace, que mesmo sem lembrar o placar ou o adversário guardou sua estreia com outro tipo de memória:
– Eu devia ter uns 13, 14 anos. Ele e o meu primo Isaac, que trabalhava com a banda e também estava no acidente, iam para o Pacaembu. Eu não lembro contra quem, mas era contra um time pequeno porque era mais seguro me levar. A gente foi junto e foi muito divertido acompanhar os dois porque eles eram muito brincalhões. Até a hora do jogo ficavam fazendo piadinhas.
– Foi minha primeira vez, e isso fez com que me tornasse mais corintiana ainda, porque é gostoso torcer junto assim. Sempre que passo pelo Pacaembu lembro desse dia. Nós indo juntos, brincando juntos, assistindo, torcendo… Tenho memória de ele ficar imitando narrador de futebol, narrando uns fatos que aconteciam no jogo. Ele sempre tentava levar as coisas no bom humor.
E ele era da zoeira também com os rivais. Óbvio!
– Acabava o jogo, ele ligava para os amigos. Se perdesse, ele ficava quieto, mas, se ganhasse, ligava. Principalmente para o Geraldo Celestino, que é um palmeirense chato – conta Seu Hildebrando.
Jorge (primo), Grace (irmã) e Hildebrando (pai) com a camisa do Corinthians que Dinho usava
Thiago Lima
Dinho era daqueles torcedores fanáticos que não perdem nenhum jogo do Corinthians, seja no estádio ou na TV. Mas, à medida que a fama crescia, a rotina se tornava muitas vezes um empecilho para ver as partidas. Em tempos sem a facilidade de acesso à internet, o telefone que era usado para caçoar dos amigos já virou veículo de informação e acordou até o pai de madrugada:
– No final da Copa do Brasil em que o Corinthians foi campeão lá contra o Grêmio no Sul (1995), ele me ligou às 2h… O horário não batia porque ele estava nos Estados Unidos lançando disco, e perguntou: “Como que foi o jogo?”. Falei: “1 a 0, gol do Marcelinho Carioca”. Aí ele ficou zoando lá.
E os jogos marcantes ele chegava a gravar as narrações em fitas cassete. Mas nem todas sobreviveram:
– Uma vez ele ia tirar a letra de uma música, ainda era Utopia (nome da banda antes de virar Mamonas Assassinas), quando eles faziam cover. Eu sabia que ele queria gravar essa música, e naquela época não tinha Spotify, nada disso. Não tinha como baixar de algum lugar, você tinha que ficar esperando tocar na rádio e gravar com uma fita. Aí anunciou que ia tocar na rádio e eu peguei a primeira fita que vi pela frente e coloquei para gravar. Quando ele chegou, eu fui toda feliz: “Nossa, eu gravei a música”. Na hora em que ele viu a fita quase, me matou: “Era a final do campeonato de não sei o quê que estava gravado aqui” (risos) – conta Grace.
Dinho com a camisa da Portuguesa
Divulgação
O vocalista dos Mamonas gostava tanto de futebol que, antes de a carreira de músico deslanchar, chegou a tentar ser jogador. Ele fez peneira junto com o irmão na Portuguesa, mas não ficou por um motivo inusitado, segundo Seu Hildebrando:
– Ele fez teste e passou, só que ele mentiu: disse que era de 70, mas era de 71. Aí não ficou, ele aumentou um ano dele e do Marcos. Era lateral-esquerdo. E o Marcos também. Só que o Marcos ia mais para a ponta esquerda, e ele ficava de lateral. Na época o Corinthians tinha um lateral-esquerdo chamado Wladimir, e o Dinho gostava dele.
E o que será que o Dinho diria do Corinthians hoje?
– Conhecendo ele, diria coisas que hoje seriam: piiiiiii. Com certeza (risos). Mas ele encontraria termos diferentes para poder classificar essa situação péssima em que o Corinthians se encontra – apostou Zé Elias.
Sérgio e Samuel, dois são-paulinos opostos
Os Reolis também tinham o seu fanático por futebol: Samuel, filho mais novo de Francisco Oliveira e Nena Reoli, herdou o amor pelo São Paulo do pai, carinhosamente chamado de Seu Ito. A família toda era são-paulina, e o time em comum fez o baixista dos Mamonas se aproximar muito de seu primo Henrique, que era dois anos mais novo. Antes de a banda fazer sucesso, eles foram bastante ao Morumbi, empolgados com o timaço do Telê Santana.
Samuel Reoli com a camisa do São Paulo
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– Entre 92 e 94, você comprava ingresso e já sabia que o São Paulo ia ganhar. Então as Libertadores dessa época a gente ia a praticamente todos os jogos. Ele era sócio do pai dele num Fusca, coitado, um Fusquinha capenga (risos). Um dia íamos com o carro dele. Eu, ele e mais dois amigos. Num determinado ponto do caminho um cara parou na frente, ele não conseguiu frear e porrou a traseira do cara. Era um Opalão, amassou só o capô do Fusca. Acho que o cara até ficou com pena e foi embora. E o Samuel ajudava a frear no freio de mão. Falava: “O freio não está muito bom, tem que ajudar” (risos). Então a gente foi ver o São Paulo de fusqueta sem freio – contou Henrique.
– Na época não tinha essa de comprar ingresso pela internet, antecipado. Era chegar e comprar na bilheteriazinha na frente do estádio. Teve uma vez que a gente chegou e estava uma muvuca enorme. Nem tinha fila, você só entrava no bolo. Depois que pegava o ingresso, era tanta gente que você não conseguia voltar. A galera te levantava, era tipo show, saía deitado por cima da cabeça da galera (risos). No dia em que o Ayrton Senna morreu, teve um jogo São Paulo e Palmeiras em que estávamos. Foi um p… clima de bosta, jogo bosta. Não lembro se empatou ou se o São Paulo perdeu, mas estávamos na arquibancada. Em 95, eles já começaram a ficar famosos, então não dava para ir mais.
Samuel Reoli tira foto com fãs com a camisa do Kashima Antlers
Divulgação
Samuel também tinha um hobby de colecionar camisas de times de mercados alternativos, seja do interior ou de outros países. Suas preferidas eram as do Japão, como do Kashima Antlers e do Shimizu, que há três anos foi dada de presente pela Dona Nena para Henrique.
Henrique, que estava com Samuel antes da última viagem dos Mamonas para Brasília, e inclusive foi de companhia ao baixista nesse dia olhar os carros à venda na Avenida Europa, imagina qual seria a reação do primo com o São Paulo hoje se estivesse vivo:
– A gente é de uma família educada a não falar palavrão, e ele era também. Ele tinha mania de falar um “vai tomar no banho” para substituir o “vai tomar no c…”. Era usado quando uma coisa que sempre tende a dar m…, e você acha que não ia dar mais, mas dá. Então acho que o momento do São Paulo de sempre no quase, quase… A Copa do Brasil não foi um quase, mas esse ano voltou a ser. Acho que ele falaria: “Ah, meu, vai tomar no banho”.
Da esq. para a dir: Seu Ito, Sérgio, Samuel e o primro Antônio uniformizados de São Paulo
Arquivo Pessoal
E o Sérgio? Segundo Henrique, “ele não era de ir a estádio, de acompanhar, porque sempre namorou muito”. E quem confirma isso é a própria namorada do baterista nos cinco anos anteriores ao acidente:
– Eu e o Sérgio namorávamos de segunda a segunda, não tinha tempo assim livre (risos). Então eu não dividia ele com outros esportes, com nada – diz Cláudia Gaiga, revelando uma dura que o baterista levou do sogro, logo no início do relacionamento:
– Quando ele conheceu meu pai falou assim: “Prazer, meu nome é Sérgio”. E meu pai: “E aí, vai casar quando?”. “Ah, estamos vendo aí”, ele respondeu. “Não é para ver, não. Quem vê não casa. E outra: ela é palmeirense” (risos).
A única foto que a família tem dele com a camisa do São Paulo é da época de criança, junto do pai, do irmão e de outro primo. Seu hobby quando não estava trabalhando era um futebol diferente, virtual (dividia a preferência com o jogo do Sonic). Nos anos 90, ele chegou a abrir uma locadora de videogame na casa dos pais.
Bento, um palmeirense nas horas vagas
O fator “DNA” por time de futebol não se aplica à família Hinoto. Toshiko e Shizuo, pais de Bento, saíram do Japão e chegaram ao Brasil sem nem saber o que era futebol, segundo Maurício Hinoto, um dos sete filhos do casal. Todos nasceram em São Paulo e decidiram virar rivais:
Bento Hinoto e Samuel Reoli
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– Tem santista, palmeirense, corintiano… É até escolher um time para ser diferente do outro. É mais divertido você ter rival para poder brincar, discutir. Em casa é até meio escalonado: ele (Bento) palmeirense, eu corintiano, o mais velho que eu palmeirense, o mais velho que ele corintiano… (risos). Acho que é muito de querer escolher time diferente dos que têm idade próxima – explica Maurício, que era o irmão logo acima de Bento e é torcedor fanático do Corinthians.
Mas Bento era um palmeirense nas horas vagas. Seu único jogo no estádio foi quando era criança, mas de outros times: ele e Maurício foram levados por um irmão mais velho corintiano para ver São Paulo x Corinthians no Morumbi na década de 80. Maurício conta que o guitarrista não costumava assistir às partidas e acha que ele nunca teve camisa do Palmeiras:
– Se você perguntasse, ele só sabia dos astros da década de 70: Ademir da Guia, Luís Pereira, Leivinha, talvez Leão… Fora isso, o Palmeiras tinha times fantásticos e ele não lembrava de ninguém (risos). Não ligava muito. Claro, se ganhasse e fosse campeão ia comemorar, mas não se preocupava em assistir e sofrer durante o jogo – conta o irmão.
Bento Hinoto criança em um Intercolonial no fim dos anos 70
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Bento praticava esportes desde pequeno na comunidade japonesa da Zona Leste de São Paulo. Futebol ele preferia jogar a assistir. Mas o irmão diz que seus esportes favoritos eram outros:
– Ioiô era um deles. É esporte, viu? Não é brinquedo, não. Ele chegou a ser campeão em 82. Teve um fabricante de refrigerante que fez uma campanha grande, ele ganhou vários campeonatos aqui na região, até em Mogi das Cruzes, e teve uma final paulista em que ele errou na largada e não conseguiu ganhar o título, mas ele era o favorito. Também era muito bom de bicicross. Andava de uma roda, era bem abusado. Chegou a levar alguns tombos, uma fratura aqui, outra ali, normal (risos).
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Mas será que o atual time multicampeão do Palmeiras de Abel Ferreira iria atrair mais os olhares de Bento?
– Ah, ele ia falar que o portuga está fazendo um trabalho bom. Ia estar feliz. Em relação ao time, palmeirense não tem do que reclamar hoje, né? Diferente da gente (risos) – brinca Maurício.
Júlio, um lusitano que virou “folclore”
Por fim, apesar de ser o mais velho da turma, Júlio “puxou” um pouquinho de cada característica dos outros integrantes. Assim como Dinho e Samuel, tinha um time da família para seguir: seu pai, Juliano Barbosa, sempre foi são-paulino. Porém, assim como Sérgio e Bento, ele não era muito afeiçoado a um clube.
Júlio Rasec com camisa da Portuguesa
Divulgação
– O que eu sei é que ele não ligava muito para futebol. Talvez a família dele seja de são-paulino, mas ele não ligava. Então com a música do vira, de português, e para ter um representante da Lusa, ele falava que torcia para a Lusa. Virou meio que um folclorezinho – opina Henrique, primo de Sérgio e Samuel.
– É que ele era meio São Paulo e meio Portuguesa porque, afinal de contas, acabou se afeiçoando à Portuguesa por causa da Maria, do Vira-Vira. Criou um carinho – pondera Grace, irmã de Dinho.
Mas Júlio era eclético em relação a times. Ao menos é o que sugerem fotos nas redes sociais em que o tecladista aparece com camisas de diferentes clubes brasileiros, como Grêmio, Juventude e Fluminense, quando fazia shows nos respectivos estados.
Júlio Rasec com camisas de Grêmio, Juventude e Fluminense
Reprodução
Música se transformou em hino de torcidas
Escrita por Dinho, Pelados em Santos foi a primeira letra autoral da banda. Na época em que a aposta dos integrantes ainda era no Utopia, a canção chamava-se Pichulinha, tinha uma pegada mais brega e foi feita como brincadeira para eles tocarem em churrasco com amigos. Depois que a adaptaram para o rock, foi a música que convenceu o produtor musical João Augusto a dar uma chance para aquele estilo diferente em uma gravadora.
E coincidentemente foi ela que virou uma espécie de hino das arquibancadas nos jogos de futebol. No Brasil, torcidas de Inter, Flamengo, Bahia, Ceará, Sport, América-RN, CSA, Remo, Chapecoense, Desportiva Ferroviária e América-RJ já adaptaram a canção para exaltar seus clubes. Cruzeiro e Figueirense também o fizeram, mas com letras zoando os rivais Atlético-MG e Avaí, respectivamente.
Veja as torcidas de Inter e Flamengo ao som de Mamonas Assassinas
E cruzou até as fronteiras verde-amarela: a música já chegou por exemplo aos torcedores do Instituto, da Argentina, além dos de Braga e Sporting, de Portugal.
Eu não lembro exatamente em que momento ele (Samuel) comentou isso: ‘Pô, queria mais ser famoso jogando futebol do que tocando música’. Eu não tenho dúvida de que, se eles estivessem vivos, uma das coisas que mais daria orgulho para o Samuel seria o fato de a música deles ter virado hino de torcida”.
Num paralelo com o futebol, o destino foi parecido ao de Dener, craque revelado pela Portuguesa e que passou por Grêmio e Vasco antes de morrer em um acidente de carro aos 23 anos em 1994, sendo uma das grandes joias do futebol brasileiro. Em apenas oito meses, os Mamonas Assassinas venderam mais de 2 milhões de cópias com um único álbum lançado e já tinham o primeiro show internacional marcado em Portugal.
Nos dois casos, a tragédia ceifou promissoras carreiras que jamais saberemos quão alto iriam voar. Talvez pertinho das nuvens carregadas de Xuxas e Pelés.
Brasil perdeu a banda que fez muito sucesso nos anos 90: Mamonas Assassinas
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Citações:
Música 1406 (Dinho e Júlio Rasec)
Música Cabeça de Bagre II (Bento Hinoto, Dinho, Júlio Rasec, Samuel Reoli e Sérgio Reoli)
Música Lá Vem o Alemão (Dinho e Júlio Rasec)

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