Das peladas às saunas, ídolo de Santa Cruz e Fla chega aos 70 como bon vivant e dá recado a Gabigol

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Aniversariante do dia, Nunes faz retrospectiva dos seus anos como ídolo de Flamengo e Santa, comenta polêmica foto do ex-camisa 10 rubro-negro e cita Romário para dizer quem foi melhor – Nunes, sua câmera está balançando durante a conversa. Você pode ajudar pra gente poder continuar a entrevista?
– Não deixei os zagueiros me marcarem, vou deixar jornalista?
E começa a rir.
Sincerão mas sem perder o bom humor, Nunes, ídolo histórico do Flamengo e do Santa Cruz, chegou aos 70 anos neste 20 de maio. Adepto das peladas de manhã cedo aos domingos na Gávea, o Cabelo de Fogo e Artilheiro das Decisões bateu um papo exclusivo com o ge.
Nunes, Flamengo
Agência Estado
Ao longo de uma conversa de mais de 40 minutos, Nunes falou sobre as suas várias versões: o ex-atleta, o sergipano que deixou a cidade de Sedro de São João ainda criança para se forjar goleador nas décadas de 70 e 80, o formador de talentos no Rio de Janeiro…E exemplo para os mais novos, tricolores e rubro-negros de toda a parte.
Ainda houve espaço para trazer à tona as polêmicas de Gabigol, agora ex-camisa 10 rubro-negro, a rotina de bon vivant como setentão na capital carioca (curtir saunas é quase que programação carimbada na agenda) e a gratidão eterna a Santa Cruz e Flamengo.
E, nos gramados, Nunes banca, com uma marra à la Romário: “Sou melhor que ele (Gabigol)”.
Nunes foi ‘tietado’ por rubro-negros no jogo festivo em Roraima
Jader Souza/SupCom ALE-RR
Confira a entrevista, na íntegra
ge: Nunes, como é a tua rotina de setentão? Você disse que nos falaríamos à tarde porque estava batendo uma bola com amigos no Flamengo e depois ia curtir uma “sauninha…”
– Eu gosto de curtir, curto o Rio de Janeiro, sou muito caseiro, é da minha casa para a Gávea, do Maracanã para minha casa, curto muito os amigos, gosto de jogar o futebol de manhã cedo no domingo. Gosto de jogar contra o time dos sócios, contra os gordinhos, porque eu fico perto do goleiro só esperando o cara tocar a bola, minha função é essa. Não corro mais para ninguém, eu quero a bola no meu pé. Não deixei de ser artilheiro, o cabelo de fogo, e feliz. Uma pessoa tranquila, que sei o que quero, tenho muitos amigos, sou caseiro, curto muito os meus filhos, meus netos, e curto a vida aqui no Rio, na Gávea. Hoje tenho um projeto social onde faço a captação dos atletas e coloco com o Flamengo, é dentro da Gávea, quase 80 crianças, recebo crianças de tudo quanto é lugar no Brasil, do Norte, Nordeste… Tenho uma empresa hoje que trabalha com jogador de futebol e captando atleta para colocar no mercado, esse é foco. Nosso futebol precisa muito da formação do cidadão, do atleta.
Em 1980, Flamengo vence o Atlético-MG por 3 a 2 e se sagra campeão brasileiro
ge: Você é ídolo do Santa Cruz e tem o respeito da torcida. Continua acompanhando o time, mesmo de longe?
Nunes na revista Placar, edição de dezembro de 77
Reprodução/ Acervo digital Placar
– Quero mandar um abraço a todos os torcedores tricolores, do Santa Cruz, tenho maior respeito, maior carinho, onde eu fiz história, onde deixei uma história muito bonita e todos os torcedores me ajudaram a fazer. Foi onde tudo começou, Confiança, em Aracaju, e no Santa Cruz. Nessa época estava com 20 poucos anos. E hoje me encontro preocupado um pouco sobre o Santa Cruz, vejo no noticiário a situação que o Santa Cruz se encontra, esse não é o lugar do clube, tem que disputar a primeira divisão. Estou sempre em contato com o Jandir, que jogou comigo, e ele que me passa as notícias. Eu sou um nordestino que vim pro Rio com 11 anos e depois retornei para o Nordeste. O Santa Cruz quem abraçou aquele garoto, e o Flamengo me levou para o futebol mundial.
Em 1980, chegada de Nunes gera expectativas no Flamengo
ge: Como é chegar aos 70?
– Pô, com muita alegria, feliz da vida, dever cumprido na minha profissão, na minha formação. Passo muito esse recado para as crianças… Não é fácil chegar onde você chegou, graças a Deus não tive problema nenhum na minha vida particular. Só tenho amigos.
ge: Qual lição você daria para os jogadores de hoje que estão começando a carreira no esporte?
– A formação do cidadão em primeiro lugar. Tem que estudar. E para formar o atleta tem que ter tranquilidade, porque hoje é complicado formar um atleta, tem que mostrar pra ele a importância da formação do profissional, dormir cedo, de se alimentar, estudar, treinar, sempre ser disciplinado em todos os sentidos.
ge: Se produz jogadores como Nunes ainda hoje?
– Nós temos condições, sim, de trabalhar, de descobrir novos talentos. Acho que os clubes têm que ter tranquilidade quando descobrirem um diamante, têm que lapidar. Como coloquei: a formação do homem, do atleta profissional, para ter um país melhor. A gente tem visto tanta coisa acontecendo, e nossos pais falando há 30 anos, e hoje nós estamos vendo o que nossos pais estão falando. A formação do cidadão, a formação do atleta, o respeito ao próximo, porque hoje em dia você passa por uma pessoa, você não sabe quem é quem, ter olhos bem atentos em todos os sentidos.
Em 1981, Flamengo goleia Botafogo por 6 a 0 pelo Carioca, devolvendo um placar histórico
ge: Quais foram os momentos marcantes pelo Santa Cruz?
– A minha chegada em Recife, um pouco complicada, porque quando cheguei teve uma enchente em 74. Existe um hotel ainda chamado Danúbio? Fiquei hospedado nesse hotel e fiquei assustado porque a cidade estava toda alagada, e aí voltei para Sergipe. Quando acabou a cheia, voltei para Recife. E quando vesti a camisa do Santa Cruz foi uma das coisas mais importantes da minha vida, estava chegando no segundo clube e com três anos de profissão eu cheguei à seleção brasileira, convocado para a Copa do Mundo. Tem até uma história curiosa: na minha ida do Rio para Sergipe parei numa cidade de Esplanada, e uma cigana disse que queria ler minha mão e eu “não, não, não sei o quê”, e acabei deixando. E ela me disse: essa cidade que você está indo, você não vai ficar seis meses. Quando cheguei, eu fiquei cinco meses, quase seis, e já fui vendido para o Santa Cruz.
ge: Qual a importância do Santa Cruz na tua carreira, uma vez que você fez ótimas campanhas no Brasileiro (a invencibilidade histórica em 1978 e quarto lugar da Série A em 1975)…
– Sem igual. Quando cheguei no Santa encontrei um grupo maravilhoso, profissionais que sabiam o que queriam dentro de campo, meus companheiros… A gente trabalhava muito e chegamos aonde nós chegamos, fizemos uma campanha maravilhosa em 1975. Tínhamos um grupo maravilhoso que conquistou tudo, que tenho certeza que a torcida viveu esse momento com a gente. Feliz que joguei no Santa, porque tenho história na Cobra Coral e quero ver o Santa Cruz, futuramente, na Série A, onde ele tem que estar e onde merece.
ge: Você se sente frustrado por não ter conquistado o título brasileiro de 1978 ou o de 1975 pelo Santa Cruz?
Nunes Santa Cruz
Daniel Gomes
– Eu consegui vários títulos. Conseguimos o título muito importante, super bicampeão pernambucano, em 76 ganhamos do Náutico na decisão e nos consagramos campeões pernambucanos, meu primeiro título como profissional. E depois fiz um trabalho maravilhoso. Vários treinadores maravilhosos, como todos os meus companheiros me ajudaram muito. Um jogador ser convocado do Norte/Nordeste a uma Copa do Mundo.
ge: Sobre idas para a Seleção. Em 1978 você foi convocado para a Copa, mas acabou se lesionando e não jogou. Olhando para trás, qual a dimensão como atleta ter perdido aquela oportunidade?
– Não participei porque tive uma contusão. Colocaram gesso no meu tornozelo e depois a comissão técnica foi a Recife para fazer exames e ver se eu tinha condições. Mas o único que tinha certeza de ter condições era eu e infelizmente não me deram um voto de confiança para ir na Copa de 78, porque eu sabia que podia me recuperar. Tanto que uma semana antes do início da Copa eu já estava jogando pelo Santa Cruz. Fiquei triste porque não me deram esse voto de confiança. Injustiçado não, fiquei triste, porque convocado eu fui. Essa contusão aconteceu em Teresópolis. Se não fosse a lesão, ninguém ia me tirar essa convocação.
ge: Evaristo de Macedo era seu treinador no Santa Cruz… Qual a relevância dele para a tua trajetória no futebol e também para o futebol brasileiro?
Santa Cruz, Campeão Pernambucano de 1972
Evaristo de Macedo/X
– Eu tive vários treinadores importantes… Foram treinadores que sempre procuraram me ajudar e muito a trabalhar o meu lado específico, os treinamentos, fundamentos, e treinava muito com Evaristo. Eu escutava tudo que ele falava para mim e procurava fazer tudo aquilo que ele pediam, com respeito ao meu comandante, com profissionalismo em todos os sentidos, fazer o meu trabalho com honestidade. Evaristo, para mim, foi um dos maiores atacantes do futebol brasileiro e na Europa, no Real Madrid e Barcelona, se tornou um dos maiores atacantes do futebol europeu. Ele tem história. E no Flamengo também e se tornou um grande mestre, um treinador com comando, com respeito, passando sempre o conhecimento.
ge: Era comum você ler em matérias que a gestão do Santa Cruz naquela época era boa… Era mesmo boa como se falava? O clube era bem administrado?
– Tive grandes presidentes, Zé Nivaldo, Rodolfo Aguiar, outra gestão maravilhosa. Não tenho nada a reclamar dos presidentes, dos funcionários… Pelo contrário. Não venci sozinho, não venci sozinho porque tive uma equipe que me ajudou e que me deu condições de trabalhar o meu lado profissional, com disciplina, respeito, com formação de cidadão, de atleta.
ge: No Mundial de 1981, jogando pelo Flamengo, você ganhou uma Toyota dos japoneses (aqui no Brasil não existia carro importado ainda) por ter sido o melhor jogador. Zico também ganhou um. O que fez com o carro na época?
Zico e Nunes comemoram o segundo gol do Flamengo na decisão de 80
Acervo O Globo
– Já vendi, não sou baú, não sou baú, pô… O Zico que tem o dele ainda. Para fazer musculação ele pega e vai dirigir. Eu não, carro acaba. Você tem que ser inteligente: então usei, curti e depois vendi para uma pessoa que quis comprar e botei dinheiro na poupança. Consegui um dinheiro, né?
ge: Como você definiria sua parceira com Zico (Flamengo) e Ramon (Santa Cruz)?
– Ramon, quando entrei, contra o Sport, ali foi minha grande oportunidade. Em seguida aconteceu um problema com Mazinho, no doping, e eu comecei a jogar com Ramon, e a dupla era eu e Ramon. Ele fazendo gol e eu fazendo gol, e meu nome apareceu no mercado do futebol: Nunes, Nunes, Nunes. E eu e Ramon fizemos uma dupla sensacional, e sempre tive a consciência de que ele era o maior artilheiro do futebol pernambucano, e eu esperei a minha oportunidade. Aí comecei a danar a fazer gol. O Zico, desde infância, desde a base do Flamengo, quando cheguei encontrei o Zico e a gente jogou muitos jogos na base, treinamos muito juntos na Gávea e era uma dupla que se conhecia desde criança. Formamos a dupla que formamos porque a gente sabia o que a gente queria dentro de campo, e Zico todo mundo conhece, com todo o respeito, o 10 que tive mais sintonia. Joguei junto com grandes camisas 10, mas igual o Zico é incomparável.
ge: Gabigol se envolveu em polêmica recente com a camisa do Corinthians e perdeu a camisa 10 histórica do Flamengo. O que você, na posição também de ídolo do clube, achou disso tudo?
Nunes e Gabigol homenageados no Maracanã
Marcelo Cortes/Flamengo
– Eu não vou aproveitar nenhum momento nem positivo nem negativo para criticar um profissional. Logo que ele que tirou a foto com a camisa do Corinthians, cabe à diretoria conversar e ver o que é melhor. Eu vou avaliar ele como jogador profissional: acho um excelente centroavante, dentro de campo ele faz a diferença, mexeu com a torcida do Flamengo.
“Agora, é aquilo que eu estou falando desde o início da entrevista, a formação de homem, formação de profissional, formação de atleta é fundamental, é importante que sirva de exemplo. Não quero criticar ninguém, mas nós, pessoas públicas, temos que saber administrar a profissão, a vida particular e saber administrar o carinho que você recebe das pessoas que te adoram, que te amam”.
– Então, isso é fundamental, não quero entrar no mérito da disciplina ou indisciplina, isso aí quem tem que julgar é a diretoria, são as pessoas que administram o Clube de Regatas do Flamengo, existem pessoas acima que têm decidir quem é melhor. Não vou criticar ninguém, mas a gente tem que ter disciplina, respeito, principalmente com a profissão que você exerce. Porque se você se torna pessoa publica você está sujeito a tudo, tem que ter muito cuidado. Agora, como jogador, excelente jogador. E eles que se entendam. Tem que ter comando.
ge: Na prateleira de ídolos do Fla, você fez dois gols do título do Mundial contra o Liverpool, e Gabigol fez gols nas finais das últimas duas Libertadores conquistadas pelo Rubro-negro. Mas, no tira teima, quem jogou mais bola: você ou ele?
– Vou dar uma de Romário: Nunes.
ge: Nos últimos dias, saiu mais uma confirmação da Justiça de que o título do Campeonato Brasileiro de 1987 é do Sport. Você passou pelo Flamengo e jogou no clube naquele ano. E aí, 87 é do Flamengo ou do Sport?
Troféu de campeão do Sport – 1987
Anderson Freire/Sport Club do Recife
– (Risos) Ai, ai, ai, que pergunta você me fez… Prefiro ficar neutro nesse negócio aí, tenho muitos amigos pernambucanos… Acho que o Flamengo ganhou o título e o Sport ganhou também. Pode ser assim?
ge: Você mora no Rio de Janeiro e acompanha o Flamengo com mais facilidade que o Santa Cruz. O que está achando do time de Tite?
– Formação, planejamento, tanto de base como de profissional, é fundamental… Clube tem que ter planejamento para tudo.. E comando. Existe uma cláusula no contrato de direitos e deveres, o jogador tem que ter a consciência de que quando é contratado é para defender as cores do clube, não para querer estar acima do clube, administrar o clube. Jogador é contratado para jogar futebol. Acho que o time do Flamengo é maravilhoso por isso, planejamento que tem, com todo respeito, a maior folha de pagamento do futebol brasileiro, tem grandes jogadores… Tem que ter um grupo, 25, 26, prontos, preparados para exercer a profissão de defender as cores e honrar a camisa.
flamengo, bolivar, maracanã
REUTERS/Ricardo Moraes

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