Júnior Moraes abre o jogo sobre briga e problemas no Corinthians: “Não estava bem da cabeça”

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Treinando no CT do Santos, atacante conta detalhes sobre a passagem frustrada pelo Timão e revela vontade de voltar para a Ucrânia: “Já perdi madrugadas pensando nisso” O único gol marcado por Moraes no Corinthians: a vitória por 2 a 0 sobre a Portuguesa-RJ pela Copa do Brasil de 2022
A frustrante passagem de Júnior Moraes pelo Corinthians teve relação direta com um lado do atleta vivido fora dos gramados: a saúde mental.
Com apenas um gol em 21 jogos pelo Timão, o atleta conversou com o ge sobre os problemas enfrentados no ano passado, relembrou o desentendimento com Alessandro Nunes, então gerente de futebol do clube, e revelou o desejo de voltar para a Ucrânia. Atualmente ele mantém a forma no CT do Santos enquanto aguarda uma nova oportunidade na carreira.
— Eu fiquei bem triste de não poder desfrutar e performar no Corinthians, mas eu não estava bem da cabeça — resumiu o atleta, em entrevista exclusiva ao ge.
O jogador rescindiu o contrato com o Corinthians em junho do ano passado e, desde então, cuidou de sua saúde mental. Ele havia chegado ao clube em 2022, depois de ter deixado a Ucrânia às pressas por causa da guerra que dura até hoje no país.
— Entendi que estava no meu limite de desgaste emocional. Precisava baixar esse limite emocional, essa loucura, cuidar dessa parte. Foi um momento pelo qual eu nunca havia passado. Foi importante ficar com a minha família, longe dessa loucura de cobrança e não só dos outros, mas autocobrança. Foram 12 anos performando bem e quando cheguei no Corinthians passei por uma fase difícil demais. Apesar de estar num clube de massa, a minha cobrança comigo mesmo foi excessiva. Cuidei de mim de lá para cá e nos últimos quatro meses tenho treinado forte para acertar com outro clube e seguir jogando. Estou com fome de fazer gols. Meu plano inicial era jogar na França, no Paris FC, mas quando cheguei lá, mudaram o que havia sido combinado e acabou não dando certo.
Alergias, hospital e terapia…
No Corinthians, o jogador sofreu com alergias que deixavam seu rosto inchado, lesões e poucas oportunidades. Para ele, nem mesmo jogar com craques teria resolvido seu problema naquele momento.
— Quando eu estava no clube, achava que eram as alergias, mas uma hora era dor no joelho, nas costas, no tornozelo. Na verdade, era o meu corpo pedindo para eu parar e eu não estava entendendo. Ninguém tem histórico de pegar um atleta da guerra. Só fomos entender isso lá para março de 2023. Infelizmente, foi um momento em que eu poderia estar com Neymar, Ganso, Renato Augusto e William que não iria render porque não estava bem da cabeça. Tomei corticoide por um ano e não resolvia. Precisava colocar a cabeça em paz. Hoje, treino forte e coloco a molecada para correr.
Júnior Moraes em treino do Corinthians
Rodrigo Coca/Ag. Corinthians
Para Moraes, o fato de os clubes no Brasil não terem o costume de trabalhar com atletas que passaram pela experiência de ter presenciado uma guerra foi um fator que aumentou o desafio.
— Eu acho que o Corinthians, dentro do possível, estava fazendo o que tinha no alcance. Nunca tiveram um jogador com histórico de guerra dentro do clube. Comecei a ter alergia, meu rosto inchava na concentração e precisava sair correndo para o hospital. O único gol que eu fiz passei a madrugada anterior no hospital. Quando dou a entrevista, no intervalo, o rosto ainda estava inchado. Eu não volto para o segundo tempo porque fiquei na enfermaria do estádio, deitado na maca tomando remédio na veia. O clube tentou ajudar. Tive contato com profissionais incríveis na área médica: Joaquim Grava, Julio Stancati e Ana Carolina Corte, o Bruno Maziotti. Sempre tiveram carinho comigo. Dentro do clube não tinha psicóloga, mas por fora eu fazia particular a terapia para tentar entender.
— Hoje, por incrível que pareça, não tive mais alergia e nem lesão. Tenho a lembrança de me sentir exausto, de me ver cansado o tempo todo, mesmo lutando para tentar ir.
Hoje, o atacante vê a dificuldade enfrentada como um aprendizado.
— Eu não tenho mágoa do Corinthians. Preciso ter inteligência emocional de entender isso: eu não estava no momento de performar. Separar, entender que a gente é humano. É só olhar a minha carreira para ver que foi a primeira vez que isso aconteceu. Serviu de experiência. Impossível falar que me arrependo. Vivi muita coisa boa: arena lotada, gol, torcida. Realmente, não foi em vão. Vi uma entrevista de um jogador de basquete dizendo que no esporte não há derrota, é vitória ou aprendizado. Eu não queria me expor, não queria falar, vivi 12 anos quietinho fora do Brasil. Meu filho acabou sofrendo por ver o pai sendo xingado, não consegui blindar ele de tudo. Minha esposa também se chateou, mas levo comigo o carinho e a compreensão que recebi de muitos.
Júnior Moraes pelo Corinthians
Rodrigo Coca / Ag.Corinthians
Depois de afastado, Moraes foi à Justiça buscar a rescisão contratual e cobrou R$ 3,8 milhões do Corinthians. Após a abertura do processo, o gerente de futebol Alessandro Nunes o chamou de “covarde e mentiroso”. Houve um acordo, que, segundo Moraes, tem sido cumprido. Ele tenta não guardar rancor do dirigente.
— Não houve pedido de desculpas. Mas, antes, ele (Alessandro) já havia exposto que estava com problemas pessoais e bastante pressionado no clube. Acredito que eu fui um bode expiatório. Não levo para o lado pessoal. Não acho que seja mau caráter, mas acabou extrapolando os limites do respeito.

Os traumas de guerra
Toda essa narrativa de problemas psicológicos desenvolvidos e agora tratados e curados em Moraes tem como pano de fundo a guerra entre Rússia e Ucrânia. O jogador viveu um pesadelo no país, vendo de perto mortes e perdendo o contato com amigos não só seus, mas também de seus filhos, Isac Luca e Maria Júlia, crianças de nove e sete anos, respectivamente.
— Difícil explicar para os filhos sobre uma guerra e para as pessoas, também, porque aqui no Brasil não tem histórico: explosões, assassinatos em massa, traumas. Meu filho diretamente não passou por nada, mas indiretamente na cabeça dele todos os amigos estão mortos. Já fez desenhos com pedaços de crianças, fala que explodiram os amigos. Muito pesado lidar com isso. Todos os dias, as orações dele e da minha filha é pelo fim da guerra da Ucrânia. Não tivemos mais contatos com os amigos deles de lá. Para eles, todos morreram — contou o jogador.
Moraes com a esposa e os filhos Isac Luca e Maria Júlia
Instagram/Reprodução
Moraes tem dupla cidadania e, por isso, como cidadão ucraniano, poderia ter sido convocado pelo governo para ajudar no combate às investidas russas no território. O jogador conseguiu escapar do alistamento e desembarcou em São Paulo em março de 2022 depois de doar quase R$ 300 mil ao país. Um alívio pelo reencontro com a família, mas um trauma para o resto da vida.
Desde então, prometeu à esposa que não colocaria mais a vida em risco no cenário de guerra, mesmo sonhando dia e noite em voltar a defender a seleção ucraniana.
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— Cogitei e muito voltar. É um lugar pelo qual tenho carinho e amor e onde fiquei a maior parte da carreira. Faltam 22 gols para ser o maior artilheiro da história do país, fiz parte da seleção. Várias e várias vezes perdi noite de sono pensando em voltar para a Ucrânia, mas fiz uma promessa para minha esposa de não colocar minha vida em risco, tenho dois filhos pequenos que precisam de nós. Para eles, seria muito difícil entender a situação. Por mais que eu tenha muita vontade de voltar, não posso agora — resumiu.
O jogador, através do Instituto Moraes, faz doações constantes à Ucrânia, voltadas principalmente para as crianças com câncer, e se sente um porta-voz no Brasil sobre os problemas enfrentados pelo país europeu no cenário de guerra.
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Lee Smith/Reuters
Carinho pelo Santos e retorno
Hoje, com a cabeça em paz na medida do possível, o foco de Moraes é em voltar a jogar futebol. O grande sonho é vestir novamente a camisa da seleção ucraniana, mas, para isso, antes vai precisar reencontrar a forma artilheira em um novo clube.
— Quero jogar em alto nível. Voltar à seleção. A minha volta vai ser um momento de superação na carreira mais uma vez. Sempre tive que ter muita força mental e vai ser mais uma história bonita. Tento falar isso para os meninos no Santos: o futebol muda muito rápido, uma hora você é o vilão e logo pode ser novamente o herói — disse Moraes, que tem treinado com um grupo de atletas afastados do Santos, mas não quer forçar um retorno ao clube.
Júnior Moraes treina no CT do Santos
Moraes foi importante em uma conquista do Peixe: foi dele o gol do título paulista em 2007, momento no qual o clube era justamente presidido por Marcelo Teixeira, hoje novamente no cargo.
Além do próprio atacante, seu pai e seu irmão também vestiram a camisa alvinegra. Nada disso faz Moraes pensar em forçar um retorno.
— Respeito muito o Santos e as pessoas que nele estão. Não é algo que eu deva forçar e fazer de tudo para acontecer, só se for natural. Se não for, sou extremamente grato por tudo que vivi no Santos, por terem me deixado vestir essa camisa. O Santos sempre vai ser minha casa.
O Santos não procurou o jogador até o momento para oferecer contrato.
Em 2022, Moraes já havia usado estrutura do Santos para treinar
Divulgação

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