Novo clube e só dois estádios quitados: o que aconteceu com as arenas dez anos depois da Copa

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Castelão lidera ranking de utilização, mas Mané Garrincha, o mais caro, tem pouco mais de um jogo por mês e transformou camarotes em escritórios. Dívida com BNDES é de R$ 700 milhões – A Copa do Mundo será melhor quanto menos dinheiro público for investido.
Foi o que disse Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, depois de o Brasil ter sido escolhido como país-sede para o torneio de 2014. O discurso se esfacelou em menos de quatro anos. Foram 8,4 bilhões investidos somente nos estádios, e os governos – federal, estaduais e municipais – arcaram com mais da metade dessa conta.
Vídeo mostra todas as cidades-sede da Copa do Mundo de 2014
Dez anos depois da Copa, que começou num Brasil x Croácia, em 12 de junho, em São Paulo, qual o legado esportivo que essas arenas deixaram para o país?
Há polêmicas sobre administração, contas a pagar, arenas subutilizadas, mas também clubes que só existem por causa delas. Levantamos dados, jogos, finanças e entrevistas para contar essa história.

Arte: Infoesporte
As arenas receberam juntas 4.568 jogos do futebol profissional masculino e feminino desde o fim da Copa de 2014 até o último fim de semana, dia 9 de junho de 2024, segundo dados do Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo.
O Castelão lidera com o maior número de partidas realizadas, seguido de Maracanã, Arena Pantanal, Mineirão e Neo Química Arena, entre as cinco mais. A Arena das Dunas, a Arena da Amazônia e o Mané Garrincha foram as que tiveram menos jogos: 291, 287 e 167, respectivamente.

Mas a realidade é que enquanto outros países-sede se atentaram a atualizações de estádios, logística e segurança, o Brasil entrelaçou o esporte ao superfaturamento de obras, protestos, desapropriações e construções que estão até hoje inacabadas.
Delimitar o legado das Arenas, portanto, passa também pelo preço dos 12 estádios, que quase dobrou desde o planejamento até o fim do Mundial.

Os gastos subiram de R$ 5,6 bilhões, previstos no orçamento de 2011, para R$ 8,4 bilhões ao fim das obras, e o BNDES financiou quase metade delas, com R$ 3,87 bilhões, por meio do programa ProCopa.
Parte dessa conta, contudo, ainda falta ser paga. Cenário que serviu de combustível para protestos de parte da população, que via na construção dos estádios um gasto exagerado e desnecessário.
Procurado pela reportagem, o BNDES diz que o saldo devedor, entre contratos públicos e privados, é de R$ 700 milhões. Todos estão adimplentes e com previsão de quitação até novembro de 2028.
O banco afirma ainda que dois foram quitados: o do Mineirão, com a Minas Arena, e o da Neo Química Arena, repassado por meio da Caixa. Na prática, porém, a dívida agora é do Corinthians com a Caixa. Segundo o clube, ainda precisam ser pagos R$ 717 milhões ao banco estatal pelo financiamento das obras.
O Mané Garrincha não recebeu financiamento público. Toda a reforma do estádio foi custeada pelo governo do Distrito Federal. Em resumo, apenas o Mineirão e o Mané Garrincha estão realmente quitados:
BNDES: Prazo de quitação dos financiamentos dos estádios
Aldo Rebelo, Ministro do Esporte naquele período, era um dos responsáveis por acompanhar a evolução dessas obras. Ele calcula ter feito pelo menos duas mil horas de voos, entre visitas aos estádios e viagens à Fifa, em Zurique, na Suíça, e acredita que o legado do Mundial no Brasil foi a “modernização dos estádios”.
– Tanto as arenas da Copa, como outras, feitas pelos próprios clubes. Não foram utilizadas, mas fizeram parte do esforço do Mundial, como a Arena do Grêmio e a do Palmeiras – defendeu o ex-ministro, em contato com o ge.
Há arrependimentos no Ministério do Esporte?
Rebelo diz que pode ter se arrependido somente de coisas que deixou de fazer. Entre elas, a falta de uma política que assegure uma parcela dos ingressos à população de baixa renda, que terminou afastada das arquibancadas como consequência da modernização.
– A população mais pobre foi afastada dos estádios. Você não tem mais aquela cena dos Geraldinos no Maracanã. Era criar o mecanismo que permitisse aos clubes destinar uma parte dos ingressos à população de baixa renda e cobrar mais caro de quem pode pagar.
Radinho de pilha e chapéu de papel de jornal: os “geraldinos” fizeram a história do Maracanã
Correio da Manhã
Questionado por que o mecanismo não foi pensado e projetado ao longo dos seis anos de preparação para o Mundial, o ex-ministro diz que não houve tempo.
– Não tivemos tempo suficiente para conceber uma proposta. Eu pensei durante a Copa, falei desse risco, mas era como tentar conter as águas do Rio Amazonas com as mãos. Não era simples, por conta dos interesses financeiros.
Mas e se fossem menos estádios?
Por um momento, essa chegou a ser uma possibilidade. Aldo conta que a Fifa cogitou a retirada de uma das arenas, possivelmente a Arena da Baixada – agora Ligga Arena, do Athletico – ou a Arena das Dunas, que estavam adiantadas em 2013, alegando não preencher as exigências nas vistorias da entidade.
O Brasil, contudo, manteve as 12 sedes escolhidas e parte delas, em locais sem histórico esportivo ou demanda de grandes públicos, recebeu a alcunha de “elefantes brancos”. É uma expressão usada de forma crítica para indicar algo valioso, mas que não possui utilidade.
Aldo Rebelo e Ronaldo Fenômeno participaram da abertura do BSOP 2013
Carlos Monti/PokerStars
O país defendia uma Copa descentralizada, abrangendo as cinco regiões, mas Aldo admite interesses políticos e financeiros envolvidos na história.
– Deixar o Centro Oeste e o Amazonas de lado, são dois terços do território. O Mato Grosso foi responsável por 60% do saldo da balança comercial do Brasil, um estado exportador de grãos de proteína. Ele pode fazer esse esforço pela economia, mas não pode ver três jogos da Copa? E a Amazônia nem se fala – completou.
“O Cuiabá era um pedaço de papel”
A Arena Pantanal, aliás, era posta como elefante branco do Mundial. Tida como inutilizável por outros estados. A realidade mostrou-se diferente. O estádio, terceiro mais utilizado desde a Copa, foi responsável pelo surgimento de um clube no Mato Grosso: o Cuiabá, atualmente na Série A do Brasileiro.
– O Cuiabá só existe porque a Arena Pantanal foi construída. Foi o que nos levou a tomar a decisão de comprar e investir. Em 2009, o Cuiabá era apenas um pedaço de papel, um contrato social. Não havia nada, nenhum patrimônio – disse o presidente do clube, Cristiano Dresch, ao ge.
Cuiabá é campeão do Mato-grossense sub-20 2023
AssCom Dourado
O Cuiabá foi fundado em 2001 e fechou as portas em 2006, alegando falta de recursos, mas voltou em 2009, dois anos após a escolha do Brasil como sede, comprado pela família Dresch.
Desde a Copa, saltou 43 posições no Ranking Nacional de Clubes, está na Série A e utiliza a Arena Pantanal, pagando um valor variável de aluguel, de 2% da renda bruta de cada jogo, que é revertido na manutenção do estádio.

Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
“Diziam que aqui iria virar Bumbódromo”
Uma história semelhante ocorreu em Manaus, com a Arena da Amazônia. Ela atualmente recebe o Amazonas, na Série B do Brasileiro, mas o primeiro clube a abraçá-la foi o Iranduba.
Não à toa, é o estádio com mais jogos do futebol feminino desde a Copa: foram 70, acima dos 31 da Neo Química Arena, que tem o multicampeão Corinthians.

– Na época tinha uma crítica com as Arenas da Amazônia e Pantanal, até com certo preconceito. Diziam que aqui iria virar Bumbódromo. Quando fui falar com o secretário, disseram: estão doidos, não vai dar 300 pessoas no jogo.
A Arena da Amazônia recebeu 25.371 pessoas para Iranduba x Santos, na semifinal do Brasileiro Feminino de 2017, e o clube amazonense pagou duas folhas salariais com a renda da partida.
Só decaiu dois anos depois, após sofrer um golpe do patrocinador, que não pagou o acertado e quebrou a equipe.
Iranduba-AM enfrenta Santos-SP na semifinal do Brasileiro
Como consequência, contudo, surgiram equipes como o Amazonas e o Manaus para assumir o estádio.
– Quando cheguei, os clubes não passavam da primeira fase da Série D. A arena deu um ar de que teríamos que ter clubes profissionais, e o torcedor sente orgulho, porque o futebol amazonense ficou esquecido por muito tempo – completou o ex-dirigente.
Arena da Amazônia
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
A mais utilizada: Arena Castelão
Outra história ainda pode ser vista em maior escala no Nordeste, com o estádio dono do maior número de jogos recebidos desde o Mundial: o Castelão.
Com 604 partidas profissionais, tornou-se casa do Fortaleza e do Ceará, que têm um acordo para pagar 13% da renda bruta dos jogos, além de pequenos repasses de bares e estacionamentos, por exemplo.
Foi um dos pontos importantes para a ascensão do Leão do Pici, recém-campeão da Copa do Nordeste.
– Se não tivesse o Castelão, o crescimento do Fortaleza seria mais dificultoso porque não teria grandes rendas, espaço para atender plano de sócios. Sozinho não faria o Fortaleza crescer, mas ajuda.
Fortaleza é campeão da Copa do Nordeste de 2024
– O outro lado da moeda é que o Castelão também precisa muito dos clubes para estar nessa condição. Praticamente toda a receita é vinda dos jogos de Fortaleza e Ceará – reforçou Paz.
O estádio carrega entre as problemáticas duas questões: o gramado por vezes machucado e o escoamento no estacionamento, que só tem duas entradas e saídas, causando engarrafamento ao fim dos jogos.
No primeiro caso, houve nesta semana um acordo do Governo para incluir os clubes nas decisões sobre a manutenção do gramado.

Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
O desenvolvimento do futebol nos estados contemplados, contudo, não é regra.
A Arena das Dunas – atualmente com o América-RN – e o Mané Garrincha, por exemplo, entre os estádios menos utilizados, pouco impactaram no crescimento esportivo das regiões. São utilizadas principalmente para eventos e shows na área externa e no gramado.
Mais caro do Mundial, o Mané Garrincha faz parte de uma parceria público-privada atualmente, sob concessão da Arena BRB, que transformou camarotes em escritórios e áreas subutilizadas em um complexo gastronômico com 21 restaurantes. Futebol é o que menos acontece por lá.
Procurada pela reportagem, a empresa detalha gastos e repasses financeiros ao governo do Distrito Federal.
Serão repassados R$ 150 milhões em outorga ao Poder Concedente (35 anos);
Investimentos previstos: R$ 700 milhões, além do repasse de 5% do faturamento líquido;
Economia aos cofres públicos: dispensa da manutenção de todo o Centro Esportivo, que são cerca de R$ 13 milhões por ano.

Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
Arena das Dunas
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
É só um estádio. Nada mais
Ao mesmo tempo, há arenas que não eram tidas como problema e se tornaram um. É o caso da Arena de Pernambuco.
Casa de 349 partidas do futebol profissional ao longo da última década, a Arena de Pernambuco lançou o considerado mais abrangente dos projetos: seria o centro da “Cidade da Copa”.
Puxaria a construção de unidades habitacionais, parques, centro de convenções, shoppings, campus universitário… Mas nada saiu do papel.
Pelo menos 1.390 famílias foram retiradas de suas casas e comércios para as obras em Pernambuco, que terminou marcado pelas desapropriações no Mundial. Famílias que contraíram dívidas, romperam laços e receberam indenizações incompatíveis com a realidade, enquanto outras ainda hoje buscam pelos próprios direitos na Justiça.
Projeto Cidade da Copa, aliado à construção da Arena de Pernambuco, nunca saiu do papel
Reprodução/Globo
Um dossiê publicado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa estima que, no Brasil, pelo menos 250 mil pessoas foram retiradas de suas moradias pelas obras da Copa e da Olimpíada de 2016.
O legado da Arena de Pernambuco após 10 anos: dívidas e abandono
O projeto foi uma parceria do governo do estado com o Consórcio Arena de Pernambuco, e a ideia era fazer com que Náutico, Sport e Santa Cruz mandassem seus jogos no estádio. Mas só o Náutico assinou a proposta.
Em março de 2016, o contrato de concessão foi rescindido e como consequência deu-se fim também ao acordo com o Náutico, que entrou com uma ação indenizatória contra o consórcio.
Desde então, a Arena não tem dono. Está sendo utilizada pelo Sport por conta de obras na Ilha do Retiro, para troca de gramado, iluminação e parte elétrica, mas o clube sustenta como algo de curto prazo.
– O Sport deve usar a Arena por mais 3 meses e não planejamos o arrendamento a longo prazo, mas podemos utilizar de forma pontual, pela maior capacidade e potencial de arrecadação.
Arena de Pernambuco
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
As outras sete arenas têm pouca diferença entre o número de partidas profissionais recebidas desde o fim da Copa, sendo o Castelão e o Maracanã entre os destaques, também por abraçar mais de um clube enquanto outras como a Neo Química, o Mineirão, o Beira-Rio, a Ligga Arena e a Fonte Nova têm mandantes específicos definidos.
São os estádios considerados como “os mais bem utilizados” desde o Mundial.
Palco da abertura, a Neo Química, construída ao derrubar o plano inicial de reformar e urbanizar o entorno do Morumbi, tornou-se uma das mais polêmicas na época pelo aumento do investimento para R$ 1,08 bilhão e a entrega com quatro meses de atraso.
Atualmente, é casa do Corinthians e palco de 386 jogos desde então. A reportagem procurou o ex-presidente do clube, Andrés Sanchez, para falar do tema, mas o dirigente não se posicionou.
Neo Química Arena
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo

O Maracanã, palco da final do Mundial, tem um custo de quase R$ 26 milhões por ano, precisa de um público mínimo de 22 mil pagantes para não ser deficitário e desde 2019 tem sido administrado pelo consórcio Fla Flu, agora responsável pelas operações nos próximos 20 anos.
Maracanã
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
E o Mineirão, marcado pelo 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil, deixou o governo do estado e tem sido administrado pela concessionária Minas Arena, que pagou a reforma para a Copa e tem direito à exploração do estádio até 2037. O detalhe, no caso do estádio em Belo Horizonte, é que a média de público dobrou após a reforma.
Antigo Mineirão: 16.820;
Novo Mineirão: 30.016. Se contar os jogos sem público, considerando público zero, a média cai para 24.912, mas ainda é mais alta.
– Não imaginei que fosse tão expressiva a diferença. Sei que existe uma nostalgia, uma parcela dos torcedores que tem saudades do Mineirão antes da reforma, mas hoje ele oferece um conforto muito maior – contou Pollyana Andrade, locutora e funcionária no estádio há 25 anos.
Mineirão
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
Entre as sete consideradas como bem utilizadas, o Beira-Rio carrega uma particularidade: está inativo no momento, devido às enchentes no Rio Grande do Sul, que afetaram gramado e estruturas do estádio.
Há manutenções que serão necessárias, e a retomada de todo o complexo está prevista para julho.
Estrutura de TI do estádio em recuperação. Prazo até fim de junho;
Grama de inverno com plantação concluída;
Limpeza: deve ser concluída totalmente até o fim desta semana;
Equipamentos técnicos das salas de coletiva foram danificados e serão trocados. Prazo fim de junho;
Sistema de som e vídeo do estádio ainda em avaliação;
Museu com higienização ocorrendo nesta semana, e a exposição permanente não foi atingida por estar no segundo andar.

Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
Fonte Nova
Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo

Arte: Infoesporte / Dados: Espião Estatístico, levantados pelo programador Gusthavo Macedo
Uma década depois, a história de repete. O Brasil será sede do Mundial Feminino de 2027 e defendeu a reutilização das arenas como ponto diferencial da proposta, que se baseou na promessa de desenvolvimento da modalidade.
Agora, dez desses estádios – com exceção à Arena das Dunas e a Ligga Arena – têm uma nova oportunidade de se colocarem como legado esportivo no país.
Brasil é escolhido como sede da próxima Copa do Mundo Feminina, em 2027
LILLIAN SUWANRUMPHA / AFP

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