O Fluminense dobrou a aposta num elenco feito para Diniz: recuar não parece o melhor caminho

Imagine receber a escalação de um time e saber que os seguintes jogadores irão voltar do vestiário para o segundo tempo de um jogo do Campeonato Brasileiro: Fábio; Calegari, Martinelli, Antônio Carlos e Diogo Barbosa; Lima, Gabriel Pires e Renato Augusto; Douglas Costa, Cano e John Kennedy.
A reação natural, ao menos seguindo o senso comum, é duvidar da capacidade competitiva desta formação, seja pelo vigor, pelas características físicas ou pelo momento da carreira de muitos jogadores. Não se trata de falta de qualidade técnica, mas de vitalidade.
E por mais paradoxal que seja, quando esta formação tem bons momentos no segundo tempo do Mineirão – assim como a formação inicial tivera na primeira etapa -, no lugar de encerrar o jogo celebrando os bons sinais, o que se cria é um alerta. Porque embora não tenha sido espetacular na derrota para o Cruzeiro, longe disso, o Fluminense conseguiu sair de situações de pressão no primeiro tempo, conseguiu se aproximar para trocar passes e jogar na segunda etapa, resgatou elementos habituais de seu jogo que andavam ausentes. E isto num jogo em que teve tantos desfalques, e precisou recorrer tanto ao seu elenco.
Tudo isso sinaliza o quanto a formação deste grupo, tão fora das convenções habituais no futebol brasileiro, foi concebida para o jeito de jogar de Fernando Diniz. E num 2024 em que esta forma de atuar não floresce, em que o nível de jogo vem sendo constantemente ruim, há algo além dos resultados e das expectativas não correspondidas pressionando este tricolor: há a sensação de que a virada terá que ser dada por estes mesmos jogadores e por esta mesma comissão técnica – que já se revelou capaz de produzir momentos encantadores de futebol. Ainda que a ampliação da sequência de tropeços crie algo familiar no futebol brasileiro: o chamado “ambiente insustentável”.
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O Fluminense assumiu grandes riscos ao “dobrar a aposta” na fórmula que ganhou a Libertadores de 2023: um time feito para o “jeito Diniz” de entender o futebol. E, claro, o ano passado dava argumentos para isso. O que não significa, ao mesmo tempo, assumir os riscos da escolha, porque o futebol é assim. Privilegiou a qualidade técnica, o que permitiu ao time ter chances de vencer muitas das partidas em que perdeu após ser dominado por rivais. Afinal, tem individualidades de bom nível.
No entanto, ampliou desequilíbrios que vão além da faixa etária e têm a ver com vigor, competitividade, velocidade ou características físicas. A lista de desfalques que a equipe tem tido, em especial as ausências de Samuel Xavier, Marcelo e Manoel no Mineirão, reforçam a sensação de um elenco que precisa ser cercado de cuidados. Por suas características peculiares, se há um caminho mais curto para fazer este grupo de jogadores atingir seu melhor nível coletivo, parece ser com Diniz. Não é simples ver este elenco rendendo na mão de outro treinador, com uma visão de futebol mais convencional. Este Fluminense não foi concebido para ser convencional.
Até aqui, não é possível dizer que o trabalho da comissão técnica em 2024 seja bom. O rendimento é muito baixo. Assim como não é possível desconsiderar a complexidade de levar adiante um processo que atingiu a maior conquista disponível para um clube em novembro de 2023: gerir 30 pessoas com suas variações de forma e de ambição; criar e estimular novas competições; gerar alternativas de jogo sem ferir a identidade da equipe… Todas estas tarefas, logo após um ano tão vencedor, são muito complexas. Se ganhar é difícil, ganhar de novo é ainda mais.
O Mineirão trouxe alguns sinais que podem ser significativos. Ao menos, foi possível ver o Fluminense resgatar traços de sua forma de jogar por alguns minutos. E, através deles, teve boas passagens do jogo em que foi superior. A questão é continuar sendo um time que se desestrutura com facilidade, especialmente sem bola. Sinais do Mineirão só futuro dirá. Resgatou identidade em alguns momentos, mas ainda se desestrutura com facilidade sem bola.
O Fluminense não vinha mal por jogar ao seu estilo, ao “estilo Diniz”. Vinha mal por não conseguir jogar bem ao “estilo Diniz”. Rasgar sua identidade não parece o caminho mais curto. A guinada tricolor deve partir do reencontro com seu estilo, daquilo que sempre o diferenciou. Mas a resposta precisa ser rápida num ambiente tão traiçoeiro como o do Campeonato Brasileiro. Só nele o campeão da América pode ser lanterna.

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