O que nos ensina o torcedor vascaíno que pediu para não ser filmado

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Desde que retornou à elite e viu o clube passar por transformações administrativas, a torcida do Vasco experimenta uma relação quase traumática entre expectativa e realidade. Desde que retornou à elite do futebol nacional e viu o clube passar por transformações administrativas, a torcida do Vasco experimenta uma relação quase traumática entre expectativa e realidade. Antes de cada edição do Brasileiro, espera-se que o dinheiro que já não é tão minguado se reverta em uma equipe competitiva que, no melhor dos cenários, faça o clube flertar com o protagonismo que historicamente lhe caracteriza. Menos de um punhado de rodadas depois, lá está o time novamente sofrendo o efeito da gravidade e roçando o rodapé da tabela, situação que na última temporada comprometeu seriamente a saúde mental de toda a coletividade vascaína. 
Quando surge a ameaça de afundar, o último esteio moral é a dignidade do torcedor, que basicamente é o porta-voz primordial do clube. E, ao contrário da porta flutuante do Titanic, este é um refúgio onde sempre cabe mais um. No último sábado, novamente a expectativa vascaína e as ambições lascivas que miravam a primeira página da classificação foram convertidas em um cuscuz indigesto e diabólico, e a equipe levava sonoros 4 a 0 de Pep Tencati e seu Criciúma City. E lá pelos trinta do segundo tempo, quando as câmeras procuravam espelhar os semblantes transtornados, um torcedor percebeu que estava sob os holofotes e reagiu balançando o dedo de forma negativa, pedindo pra não ser filmado: “Não filma, não, que eu tô puto”.
Em um cenário no qual o vínculo entre torcedor e clube envereda perigosamente para uma relação entre cliente e produto, a honesta reação do torcedor vascaíno nos fala muito de raízes — raízes dessa própria relação e da redoma de emoções que ela provoca. Quando pede para não ser filmado, sem aproveitar a oportunidade para protestar, balançar uma nota de dois reais ou mesmo dar aquele protocolar sorriso desconectado da caótica realidade que o cerca, o torcedor está fazendo uma única exigência: naquele momento, deseja apenas a privacidade monástica para lidar com seus próprios demônios (e com os onze demônios em campo). 
Torcedor do Vasco fica pistola ao ser filmado em goleada: “Tô p* para c*”
Possivelmente, o torcedor que pede para não ser filmado reflete sobre a arbitrariedade do destino futebolístico, que aparentemente tem seus eleitos, ou sobre o desafio emocional que são estas épocas de vacas magras que vitimam torcidas de todas as cores, mas umas mais do que as outras. Talvez esteja pensando, e logo remordendo-se, sobre os torcedores de clubes que recentemente muito vencem e suas constantes reclamações após dois jogos sem vitória ou sobre aquele lateral-esquerdo que não chega, e como este comportamento é uma drástica afronta ao seu aparentemente eterno perambular por todos os círculos do inferno, carregando apenas uma faixa atravessada no peito e recordações difusas de tempos mais felizes, quase imemoriais.
Ou, mais terreno, recapitulava que havia saído de casa com o singelo objetivo de uma vitória mínima contra o Criciúma para que ao menos o fim de semana seguisse em relativa harmonia, mas agora a cerveja da noite de sábado vai descer mais amarga e a semana que se avizinha basicamente está comprometida em todos os aspectos rotineiros. Em tudo isso e em outras milongas mais, talvez mesmo em como o pênalti desperdiçado por Vegetti pode influenciar na delicada conjuntura política internacional, pensava o torcedor vascaíno que pediu para não ser filmado. E pensava em tudo isso tentando lembrar de quando será o maldito próximo jogo em São Januário.
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