Opinião: os trancos e os solavancos na retomada da base da Portuguesa

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Depois de anos de inatividade, sub-15 e sub-17 voltam com eliminação precoce no Campeonato Paulista; campanha evidencia sobretudo o que evitar Portuguesa abre as portas do Canindé para o Globo Esporte
De Ivair a Dener. De Servílio a Sinval. De Enéas a Zé Roberto. É possível passar um dia inteiro relembrando craques de diferentes gerações formados nas categorias de base da Portuguesa. Essa é, sem dúvidas, uma das essências da trajetória do clube.
Quando se fala de base pelos lados do Canindé, portanto, as atenções são imediatamente capturadas. É um tema que, em razão da tradição e da importância histórica, acaba carregando junto paixão, expectativa e cobrança. De uns anos para cá, mais cobrança.
Justificada. Afinal, a gestão que comandou a Portuguesa entre 2017 e 2019 terceirizou as categorias de base. A empresa responsável deixou a administração assim que a atual diretoria assumiu, em 2020, e com ela se foi praticamente tudo que havia.
Já seria um recomeço praticamente do zero e, para piorar, veio a pandemia. A Lusa ficou sem nenhuma categoria de base e, por questões financeiras, demorou mais que todo mundo para se reestruturar. Começou com o sub-20, único escalão até 2023.
Sob o comando do técnico Alan Dotti, o sub-20 fez duas excelentes campanhas no Campeonato Paulista da categoria, em 2022 e 2023, além de duas edições da Copinha em que o desempenho foi mais bem avaliado que a classificação, em 2022 e 2024.
Não era tarefa simples. Sem contar com categorias inferiores, a Portuguesa tinha de trazer todos os atletas de fora. Na maioria das vezes, jogadores não aproveitados em outros clubes. Em alguns casos, já no limite para se profissionalizarem.
A retomada do sub-15 e do sub-17 era necessária. Só assim a Lusa poderia, enfim, captar atletas jovens, desempenhar um trabalho de médio prazo, avaliar e moldar com calma os jogadores, fazer a tão importante escadinha entre categorias.
Essa volta do sub-15 e do sub-17 só aconteceu neste ano, para a disputa do Campeonato Paulista das categorias. Uma disputa que acabou sendo curta, encerrada ainda na primeira fase, de uma competição que poderia dar calendário e tempo ao trabalho.
O sub-15, comandado pelo técnico Rodrigo Mesquita, somou três vitórias, três empates e quatro derrotas (as mais pesadas para o Corinthians, como 5 a 0 e 3 a 0). O sub-17, liderado pelo treinador Bersinho, conseguiu duas vitórias, três empates e cinco derrotas (diante do Corinthians, uma goleada por 8 a 0).
Atletas da base da Portuguesa
Dorival Rosa/ Portuguesa
Ninguém gosta (e nem pode gostar) de perder, de ser eliminado, muito menos de ser goleado. Mas não há como dizer que as dificuldades e a queda na primeira fase foram algo surpreendente, sobretudo se analisarmos o contexto e as decisões tomadas.
Começar do zero, como a Portuguesa começou, dificulta o trabalho de qualquer clube. Dois elencos montados do nada, com duas comissões técnicas novas, sem grandes investimentos, caindo em um grupo com equipes tradicionais, que têm trabalhos muito mais longevos nas categorias como o Corinthians, o Juventus e o Santo André.
O natural é haver dificuldades. Até o treinador implementar a filosofia de trabalho, até os jogadores mostrarem as suas qualidades e fragilidades, até se identificar onde buscar outros jovens, até o elenco ganhar um conjunto, o campeonato já se encaminhou.
No grupo da Lusa havia um adversário em uma situação parecida, de início de trabalho nas categorias, e que teve rumo semelhante: o Centro Olímpico. As dificuldades acabam aproximando muito mais da derrota e da goleada do que da vitória e da conquista.
É preciso cabeça no lugar, pés no chão e racionalidade ao analisar o contexto. Mas é igualmente necessário ter cabeça no lugar, pés no chão e racionalidade ao analisar o trabalho executado pela diretoria da Portuguesa nessa retomada do sub-15 e do sub-17.
Já seria complicado o bastante pelo contexto e se tornou quase inviável pelo trabalho. A Lusa demitiu o executivo de futebol responsável pelas categorias, Eduardo Ferreira, às vésperas do início do Campeonato Paulista. A alegação foi ajuste financeiro no futebol profissional (que o diretor passou a acumular no primeiro trimestre).
Com a saída, chegou para o posto Emerson Carvalho (sim, os dois, tanto Eduardo quanto Emerson, foram zagueiros da Lusa). Ou seja, um novo executivo, uma nova filosofia de trabalho, um ambiente novo, um projeto praticamente do zero.
Somado a isso, apenas um mês para montar o sub-15 e o sub-17. Não deu tempo direito nem de o clube anunciar oficialmente os treinadores. Houve seletivas? Há quem diga que sim, há quem diga que não. A diretoria, oficialmente, informa que houve. Nesses casos, ao que se sabe, foram seletivas de menor porte, mais restritas.
Não houve, por exemplo, aqueles processos em que jovens são convidados, dezenas são vistos, rodadas de avaliação são organizadas, etc. Afinal, havia apenas cerca de um mês. Empresários hoje são caminho incontornável. Só não podem ser caminho padrão.
A Lusa não investe nenhum valor extraordinário e, para piorar, hoje não conta com um alojamento para essas categorias. Tudo vai ficando mais complicado. A bola começou a rolar e havia muito, mas muito trabalho a desempenhar. O resultado não seria outro.
Essas eliminações não são uma surpresa, mas uma consequência óbvia. Por um lado, de um contexto naturalmente desfavorável. Por outro, de um trabalho que poderia ter sido muito mais favorável. Agora não adiante espernear: é corrigir, trabalhar e continuar.
Os próximos meses serão tão ou mais importantes do que foram esses de volta do sub-15 e do sub-17. De nada terá servido retomar as categorias se a Lusa, neste momento, dissolver os elencos, paralisar o trabalho e voltar a uma estaca praticamente zero. Se for para isso, teria sido melhor nem ter se credenciado a disputar o Campeonato Paulista.
O trabalho precisa de sequência, de tempo, de aprimoramentos. É preciso haver seletivas, avaliações, observação. Em base não existe trabalho a curto prazo, da noite para o dia, em um piscar de olhos. Nenhuma reconstrução é assim. Nem na base, nem na Portuguesa. As análises têm de ser honestas, fora e dentro do Canindé.
*Luiz Nascimento, 31, é jornalista da rádio CBN, documentarista do Acervo da Bola e escreve sobre a Portuguesa há 14 anos, sendo a maior parte deles no ge. As opiniões aqui contidas não necessariamente refletem as do site.

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