“Pensei em desistir”: como ex-Palmeiras superou coma e tragédia com irmão para brilhar na Itália

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Taddei, aos 44 anos, conta sobre o dia em que foi goleiro no lugar de Marcos, explica por que recusou a seleção italiana e revela qual o melhor jogador com quem atuou. E não foi Totti… Taddei tem museu particular de sua carreira
Uma sala de cerca de 70 metros quadrados guarda memórias de uma vida inteira. Em um condomínio nobre de Cotia, região metropolitana de São Paulo, Rodrigo Taddei montou um espaço em sua casa com lembranças da carreira e dos momentos marcantes que passou.
Da infância pobre na Brasilândia, periferia de São Paulo, passando pelas glórias no Palmeiras e na Roma, da Itália, até chegar a um dos episódios mais difíceis de sua vida: a perda do irmão em um acidente de carro que deixou o ex-jogador em coma por uma semana e com o desejo de largar a carreira que começava a prosperar.
Era uma noite de junho de 2003, que tinha tudo para ser somente de festas e comemorações, mas que se tornou um pesadelo.
Taddei abre as portas de casa e mostra memorial de sua carreira
Eduardo Rodrigues
Após ajudar o Siena, time modesto da Itália, a ser campeão e subir para a primeira divisão, Taddei se juntou a Pinga, ex-jogador de Santos e Internacional, mais dois amigos e seu irmão mais novo, Leonardo, para voltar à cidade e festejar o título.
Saindo de Milão, o carro em que estavam sofreu com a quebra do eixo dianteiro, o que provocou um grave acidente. Uma série de capotamentos arremessou Leonardo para fora do veículo.
– Meu irmão foi o único que infelizmente faleceu. Eu acordei depois de uma semana do coma e não sabia nem ao menos se voltaria a jogar. Voltei para o Brasil, porque eu não queria fazer a pré-temporada, para continuar a carreira. Pensei muitas vezes em parar, em desistir – relembrou Taddei.
Aquele era o primeiro ano do polivalente jogador de 22 anos na Europa após ser revelado pelo Palmeiras e ganhar a Libertadores como reserva e a Copa dos Campeões como um dos protagonistas. O momento era de ascensão. Apesar da perda do irmão – um de seus melhores amigos –, ele encontrou forças para seguir.
– Minha mãe bateu o pé e falou: “Não é assim que funciona, a vida tem que continuar. Não é assim que ele queria”. Ela dizia que meu irmão foi para lá para me ajudar, mas infelizmente aconteceu tudo aquilo – recordou.
– Lembro todos os dias como se fosse hoje. Não tem um dia que eu não lembro. Mas lembro com muita alegria também, porque ele foi um cara muito iluminado, muito cativante. Era um cara que as pessoas admiravam pelo modo de se comportar e pelo jeito que era – acrescentou.
Taddei mostra a camisa do Siena, que foi campeão em 2003
Eduardo Rodrigues
Em seu braço esquerdo, Taddei eternizou a imagem do irmão e tem a certeza que tudo que conquistou na vida tem a sua energia. E não se pode duvidar, já que depois do triste episódio o ex-jogador teve muito mais momentos para sorrir do que para chorar.
Taddei tem o irmão tatuado no braço
Eduardo Rodrigues
O sonho em Roma
No primeiro ano de Série A italiana, Rodrigo Taddei começou a chamar a atenção da mídia e dos grandes clubes do país. Os oito gols e as 12 assistências pelo modesto Siena não eram comuns.
Segundo Taddei, ao fim da temporada 2004/2005, Milan, Juventus, Inter de Milão e Roma começaram a buscar referências e contatar o empresário de Taddei. Para muitos, poderia ser uma decisão difícil a ser tomada, mas ele já sabia o que queria.
– No Brasil, a gente via na televisão a Roma do Falcão, do Cerezo, do Aldair… Eu cresci com aquilo na cabeça. Então meu sonho era jogar na Roma. Tinha até diferença de salário entre Juventus, Milan e Inter. E a Roma, apesar de ser um time grande, ganha muito pouco na Itália e na Europa. Era um pouco menor, mas era o meu sonho e eu queria ir para a Roma – relembra.
Taddei tem museu particular de sua carreira
No dia 3 de junho de 2005, Taddei foi anunciado.
– Na Roma, vivi a minha história de amor com o futebol, onde dava tudo certo, a torcida… Tudo foi do jeito que eu sonhei.
Taddei comemora, Roma x Atalanta
AFP
Recusa à seleção italiana
O momento era tão especial para Taddei na Itália que até a seleção do país passou a cobiçar o jogador brasileiro que já tinha a dupla nacionalidade devido às suas raízes familiares.
Rodrigo Taddei foi pré-convocado para defender a Itália em amistosos. Era a chance de iniciar um ciclo que poderia levá-lo à Copa do Mundo de 2006, mas seus planos eram outros.
– Era o sonho de qualquer um, mas eu não me senti no direito de tomar o lugar de um jogador da Itália, porque não me sentia confortável em ir para a seleção e não cantar o hino do país. Eu acho que é uma coisa muito pessoal. Eu sempre quis ir para a seleção brasileira, é uma coisa minha, é um sonho que eu não consegui realizar – afirmou.
Taddei fez pintura na parede de casa com camisa 11 da Roma
Eduardo Rodrigues
Taddei não guarda mágoas ou ressentimentos por não ter conseguido uma convocação. O ex-jogador entende que ficou muito distante de contatos no Brasil devido seu longo período na Europa e que a concorrência na equipe naquela época era muito grande.
– No Brasil, até no gol eu joguei (risos), então eu acredito que pelo menos uma ou duas convocações para testar eu tinha condições. Mas enfim, não aconteceu, não me arrependo (de ter recusado a seleção italiana) e minha vida seguiu – disse.
Taddei estampou revistas e calendários na época de Roma
Eduardo Rodrigues
A vida e o reconhecimento seguiram
Foram nove temporadas pela Roma até Taddei se transferir para o modesto Perugia em 2014. Foram mais dois anos no futebol italiano até se aposentar – contra sua vontade.
A ideia do ex-jogador era atuar por pelo menos mais dois anos na MLS (Liga dos Estados Unidos) antes de pendurar as chuteiras, mas as propostas não apareceram. Voltar a atuar no Brasil não estava em cogitação devido à grande pressão que se enfrenta e por toda sua identificação com o Palmeiras, clube que o revelou.
Time do Palmeiras que Taddei atuou quando subiu aos profissionais
Eduardo Rodrigues
Esse reconhecimento, aliás, espanta Taddei até hoje. Revelado pelo Verdão entre 1998 e 1999, o ex-jogador ficou quatro anos no profissional antes de ir para a Itália e fazer toda sua carreira na Europa. Mesmo com o longo período fora, ele é reconhecido pelos torcedores.
– Às vezes até fico é lisonjeado, espantado, porque as pessoas me param e falam: “Pô, não acredito, você jogou em tal lugar, você tinha um cabelão e tal (risos).
O clube também não esqueceu de Taddei e recentemente o homenageou com uma pintura em uma das paredes da academia do Centro de Treinamento da base, em Guarulhos. Ele está ao lado de Marcos, Sérgio, Amaral, Roque Junior e Diego Cavalieri.
Taddei é eternizado no CT da base do Palmeiras
Eduardo Rodrigues
– É gratificante você estar eternizado na história de um clube grande no Brasil, por isso que eu falo que ainda tenho reconhecimento. Pelos milhares de jogadores que passaram pelo Palmeiras nesse período eu até tenho reconhecimento agradável. É muito gratificante.
Sem arrependimentos na carreira e com uma vida confortável graças ao futebol, Taddei, aos 44 anos, curte a tranquilidade de sua aposentadoria para jogar na várzea, tocar samba, brincar com seus cachorros – sua grande paixão – e segue revisitando o passado em sua sala cheia de glórias e histórias.
Taddei ao lado da réplica da taça da Libertadores
Eduardo Rodrigues
Leia outros trechos da entrevista com Taddei:
ge: Qual foi o melhor jogador que você atuou na carreira? Totti?
Taddei: – Alex. O segundo foi o Totti. O Alex era, apesar de eu ter jogado muito pouco com ele, um cara decisivo, que em dez clássicos ele resolvia oito. Por ser Europa também acredito que seja um pouco mais difícil decidir clássicos, mas o Alex foi o melhor com quem eu joguei.
Sua carreira foi praticamente toda na Europa. Mas qual o momento mais marcante no Brasil?
– Foi na Copa dos Campeões. Quando você é um jogador, sempre gosta de lembrar do período em que foi protagonista. Eu ganhei muitas coisas, mas aquela que você é protagonista, que você joga, é mais gratificante do que ganhar a Libertadores.
– Eu estava no grupo (da Libertadores) joguei algumas, mas era reserva. E você ganhar a Copa dos Campeões, de titular, sair do banco… Fui titular contra o Flamengo, os dois jogos, fiz gol, um de pênalti. Fomos para a final e ganhar a final… É gratificante, é a maior lembrança que eu tenho do Palmeiras. Ganhei até uma placa do gol mais bonito da Copa dos Campeões (gol contra o Flamengo, de fora da área).
Veja o golaço de Taddei e relembre a campanha vitoriosa do Palmeiras na Copa dos Campeões de 2000
E você chegou até a ser goleiro do Palmeiras contra o Vasco, em 2001, depois da expulsão do Marcos…
– O Marcos foi expulso e virou uma briga, uma confusão. Todo mundo se prontificando para ir para o gol, aí eu falei: “Deixa que eu vou”. Eu tinha acabado de entrar no jogo, não era nem para ter ido. A verdade é essa, porque eu tinha entrado há pouco tempo e ainda tinha gás para jogar na linha. O jogo em Ribeirão Preto, um calor… Eu já tinha jogado em todas as posições, só faltava o gol. Daí peguei a luva e fui pro gol. No jogo peguei uma falta do Romário e tomei um gol de pênalti dele também. Foi um momento curioso da carreira (risos).
Marcos é expulso, e Taddei vira goleiro do Palmeiras contra o Vasco em 2001
Como era sua relação com o Totti e o De Rossi, dois jogadores históricos da Roma?
– O cara (Totti) é 10. É um capitão que não falava, ele agia, né? Era um cara que sempre treinou muito, chegava sempre cedo, não se lamentava de nada. A gente costumava dizer que o capitão de fato do nosso time era o De Rossi, porque era aquele capitão que batia de frente com todo mundo, que brigava com todo mundo. O Totti era um capitão de atitude, vamos dizer assim. E o Rossi era o que brigava. Dois monstros.
Ainda tem contato com o pessoal da Roma?
– Tenho contato, de vez em quando, a gente ainda conversa. Foram nove anos. A gente não fica ligando muito um para o outro, mas se comunica bastante.
Totti e De Rossi emocionados em despedida
Getty Image/Silvia Lore

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