Qual é a relação do esporte com convulsão, como a de atleta chileno

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Cardiologista e médico do esporte Mateus Freitas Teixeira esclarece possibilidade de ocorrência de convulsões durante práticas esportivas e os benefícios dos exercícios Uma partida da Copa da Liga Argentina acabou suspensa no último domingo, pois o meia chileno Javier Altamirano teve uma convulsão em campo. Assim como o jogador do Estudiantes, outros atletas já sofreram desse problema – e ainda sofrem. Por isso, vamos fazer uma revisão sobre o tema, usando como base o artigo “Sports and epilepsy: A comprehensive review in the Japanese context”, de 2023.
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Gustavo Garello/Getty Images
No caso de Altamirano, a equipe médica informou que a convulsão ocorreu por trombose venosa cerebral (TVC), ou seja, a trombose de veias e seios venosos cerebrais.
Trata-se de uma condição rara, constituindo menos de 1% dos acidentes vasculares cerebrais (AVC). Um estudo epidemiológico de AVC em 164 pacientes jovens (15 a 49 anos), no Brasil, identificou TVC em apenas sete casos. A incidência nos adultos é maior na terceira década de vida.
O uso de anticoncepcional oral, trombofilia, mutação do gene da protombina (G20210A) e infecção prévia por covid-19 são fatores de risco significativos para TVC e devem ser investigados rotineiramente.
O diagnóstico pode ser tardio ou negligenciado devido ao grande espectro clínico de sintomas, diversos modos de apresentação inicial e aos sinais inespecíficos da neuroimagem.
A TVC acomete o seio sagital superior em 72% a 92% dos casos e seios laterais em 38% a 70%, geralmente com progressão da trombose de um sistema venoso para outro(s), determinando congestão venosa e edema cerebral vasogênico difuso ou focal. A trombose pode progredir para hemorragia do parênquima cerebral e convulsões.
O que é convulsão e qual é a diferença para epilepsia?
Convulsões, ou crises convulsivas, ocorrem frequentemente na prática clínica. Dados americanos estimam a ocorrência de crises convulsivas em cerca de 5% da população. É uma condição muito frequente, em todas as idades, especialmente em crianças nos primeiros anos de vida e em idosos.
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A convulsão acontece por causa de uma falha na condução elétrica no cérebro, levando à maior atividade elétrica em algum ponto suscetível dele, o que provoca os sintomas da crise convulsiva (abalos musculares, perda da consciência, salivação e, em alguns casos, perda esfincteriana – diurese e evacuação espontânea durante as crises), porém pode ocorrer de várias outras formas.
Assim, uma pessoa pode ter uma ou duas convulsões pontuais durante a vida toda; neste caso, dizemos que o paciente teve crises, ou convulsão, mas não tem epilepsia.
Por outro lado, o diagnóstico de epilepsia é dado geralmente quando um mesmo indivíduo apresenta duas ou mais convulsões. Nestes casos, caracterizando corretamente a repetição das crises, o tipo delas e a possível causa, denomina-se que o indivíduo tem o diagnóstico de epilepsia.
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Efeitos gerais dos esportes nos pacientes com epilepsia
Os pacientes com epilepsia exercitam-se com menos frequência em comparação com a população em geral, muitas vezes apresentando maior probabilidade de obesidade e níveis mais baixos de bem-estar físico e mental, indicando uma tendência à inatividade e à diminuição da saúde.
Por outro lado, investigações empíricas mostraram que a participação ativa em exercícios melhora o controle das crises epilépticas, contribui para a qualidade de vida, reduz a depressão e a ansiedade e mitiga os efeitos colaterais dos medicamentos antiepilépticos.
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Quais os efeitos dos exercícios aeróbicos?
Os exercícios aeróbicos apresentam grande importante no tratamento. Entre os pacientes, reduções autorreferidas na frequência de convulsões foram de 36%, atribuíveis ao exercício diário.
Foi observada ainda uma redução na descarga epiléptica associada ao exercício, particularmente em casos de epilepsia mioclônica juvenil. Estudo de Eriksen et al. (1994) relatou uma diminuição no número de convulsões em indivíduos com epilepsia que participaram de um programa de treinamento físico aeróbico de 15 semanas.
Este estudo destaca os benefícios potenciais do exercício estruturado para pessoas com epilepsia. Além disso, numerosas formas de epilepsia estão associadas ao sono e frequentemente se manifestam como convulsões durante os ciclos do sono. Notavelmente, a privação do sono é gatilho potente na maioria dos tipos de epilepsia. Consequentemente, a melhoria da qualidade do sono por meio do exercício pode exercer um efeito antiepiléptico.
No contexto dos efeitos antiepilépticos do exercício, o exercício aeróbico tem sido o mais extensivamente estudado. Vários estudos relataram consistentemente o impacto benéfico do exercício aeróbico na redução de convulsões.
Além disso, a ioga demonstrou efeitos benéficos na redução de convulsões, conforme apoiado por um ensaio clínico randomizado.
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Quando o esporte pode causar problema?
Vários fatores associados à prática esportiva são considerados potenciais desencadeadores de crises epilépticas. Estes incluem hiperpnéia, fadiga, estresse físico, alterações no metabolismo de medicamentos antiepilépticos, desequilíbrio eletrolítico e impacto na cabeça.
Por exemplo, na ausência de epilepsia, as convulsões podem ser provocadas pela hiperventilação, um fenômeno atribuído à alcalose resultante da perda excessiva de dióxido de carbono durante a hiperventilação.
No entanto, a hiperventilação induzida pelo exercício é normalmente considerada uma resposta fisiológica que compensa a retenção de dióxido de carbono e a acidose, em vez de um desencadeador de convulsões.
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É crucial manter o equilíbrio adequado de fluidos e eletrólitos durante a atividade física. Notavelmente, a hipoglicemia grave foi relatada como um potencial gatilho para convulsões. Também é importante notar que, em geral, pequenos impactos repetidos na cabeça não estão tipicamente associados ao desenvolvimento de crises epilépticas.
Cuidados com esportes aquáticos
Deve ser dada especial atenção aos esportes aquáticos, dado o risco de afogamento associado a uma única convulsão, que pode levar a consequências graves, incluindo a morte.
Para as atividades aquáticas, além de considerar o tipo e a frequência das crises, é aconselhável optar pela natação em ambientes controlados, como piscinas, e não em águas abertas, como mares ou rios.
Supervisão contínua com múltiplos monitores, uso de águas rasas e claras, evitar mergulho ou submersão e uso de trajes ou equipamentos claramente marcados para distinguir indivíduos com epilepsia também são recomendados.
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O mergulho autônomo, devido ao profundo risco associado ao mergulho profundo e aos potenciais interações entre envenenamento por nitrogênio e medicamentos antiepilépticos, geralmente requer pelo menos cinco anos sem crises convulsivas e sem medicamentos antiepilépticos, conforme recomendado pelo Comitê Médico de Mergulho Esportivo do Reino Unido.
Alguns defendem um período livre de crises de quatro anos, mesmo com o uso de medicamentos antiepilépticos. No entanto, a participação no mergulho muitas vezes depende da obtenção de um “cartão C”, uma certificação técnica emitida por organizações de instrução de mergulho. Na prática, a epilepsia muitas vezes desqualifica os indivíduos para a obtenção deste certificado, limitando efetivamente a sua participação.
Esportes de contato
Os esportes de contato acarretam a possibilidade de convulsões prematuras ocorrerem imediatamente antes do contato físico. Precauções extras são necessárias para artes marciais e esportes como rugby, futebol, futebol americano e lutas, pois representam um risco substancial de impacto na cabeça em indivíduos sem proteção contra convulsões.
É imprescindível prescrever exercício para os pacientes com diagnóstico de epilepsia e com crises eventuais de convulsão, tendo em vista a necessidade de atenção em algumas modalidades esportivas. O exercício sempre faz bem e é um ótimo remédio.
* As informações e opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do ge / Eu Atleta.

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