Radicado no Brasil, técnico português João Mota encara desafio com seleções do Sudão

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Aos 57 anos, ele embarca para assumir cargo de diretor técnico da base do país de olho na Copa do Mundo Sub-17 de 2025 Pouco mais de 10 anos atrás, o português João Mota, de 57 anos, estabeleceu uma relação de amor com o Brasil. Então técnico do Dibba Al-Hisn, dos Emirados Árabes, conheceu a brasileira Cláudia, irmã do preparador de goleiros Nilson Pizzo, que também trabalhava no país. Desde então, escolheu o estado de São Paulo como base para morar e nesta quinta-feira embarcou para mais se dedicar a mais uma oportunidade de trabalho, desta vez, no comando das seleções de base do Sudão.
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Antes mesmo de conhecer Cláudia, João já havia trabalho no Brasil. Ele recebeu uma oportunidade inusitada de ser auxiliar técnico de Karmino Colombini no Aparecidense, de Goiás, em 2014. Foi apenas sua primeira experiência no futebol brasileiro. Depois da passagem pelos Emirados, veio direto para o Brasil e bateu de porta em porta por dois anos até conseguir a oportunidade de comandar o time sub-20 do Guarulhos
Depois disso, teve passagens também pelo time sub-20 da Portuguesa-SP, comandou o Rio Branco-AC, o Tigres-RJ e teve uma experiência de duas semanas no Operário-MT, endo demitidos depois de apenas um jogo. Ele também chegou a assumir o Juventus-SC em março de 2023, mas sequer fez sua estreia, pois aceitou uma proposta do Al-Hussein, da Jordânia, onde ficou praticamente um ano antes de ir ao Al Jabalain, seu último trabalho, que durou pouco mais de um mês.
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Concentrado na busca por trabalhos em melhor nível no Brasil, João Mota embarcou para o Sudão na expectativa de realizar um trabalho de formação de treinadores e mudança de filosofia nas seleções do país. A passagem de sucesso que teve no Al Hilal Omdurman, entre 2021 e 2022, fez com que ganhasse prestígio no país.
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João Mota quando trabalhava no Al Hilal Omdurman
Arquivo pessoal
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João Mota será o diretor técnico, comandará diretamente a seleção olímpica e será responsável pelo desenvolvimento das equipes sub-17 e sub-20 de olho nos Mundiais da categoria. Os trabalhos serão realizados na Arábia Saudita e no Marrocos, pois o Sudão está em guerra, sem condições de receber esse tipo de atividade no momento.
– É muito aliciante e por isso aceitei. Financeiramente, está muito aquém do que espero fora do Brasil, fui pelo projeto, vamos ver se o que falei com o comitê será entregue. O primeiro grande objetivo é classificar para a Copa do Mundo Sub-17 do ano que vem, que seria inédito. É muito difícil, mas gosto desse trabalho – disse João, em entrevista ao ge.
João Mota explica processo de seleção de jogadores no Sudão
– Como diretor técnico, também vou dar formação aos treinadores. Criei uma metodologia de trabalho e vou transmitir para todo o comitê. Eles já aceitaram isso, vamos ver o que dá – emendou João, que vai para Jidá, na Arábia Saudita, encontrar os dirigentes e assinar contrato.
Apesar de estar confiante nas promessas recebidas, João mantém a porta aberta caso a assinatura do contrato com o Comitê Olímpico do Sudão não seja concretizada. Sua esperança é ganhar oportunidades de trabalhar no futebol brasileiro em nível nacional, seja iniciando, pelo menos, a partir da Série C.
João Mota, técnico português
Arquivo pessoal
– Tenho na mão essa situação e vou agarrar com todo coração e profissionalismo, mas vamos ver o que acontece. Eu deixei uma imagem muito boa no Sudão, praticando um bom futebol no Al Hilal. Não abdico de jogar. Gosto de ganhar, mas com algum sentido, com DNA. Hoje, minha carreira é trabalhar na Ásia, na África e vir para o brasil de férias descansar, às vezes desempregado. Gostaria muito de trabalhar no Brasil, não no nível que estava, pois mereço mais. Aguardo uma oportunidade aqui mais condizente do que tem sido a minha carreira – explicou o treinador.
Na sua carreira, João Mota enfrentou situações complicadas. Viu atritos políticos no Sudão, ouviu tiros, mas o que mais o impressionou foi conhecer a realidade das categorias de base do futebol brasileiro, quando recebeu a oportunidade de comandar o time sub-20 do Guarulhos entre 2017 e 2018.
João Mota conta situação vivida no Guarulhos com jogadores da base
– Em um treino às 11h da manhã, muito quente, dois jogadores normalmente muito fortes não corriam, estavam desanimados. Perguntei o que se passava, se estavam brincando com a minha cara. O garoto pediu desculpas, disse que não estava se sentindo bem. Outro colega avisou que não havia comido nada. Fui dar uma dura por não ter se alimentado antes do treino. Quase chorando, ele disse que não tinha o que comer. Quis saber mais, não era só ele. Outros ficavam em casa para proteger a mãe da violência do pai. Comecei a entrar na realidade deles e a conhecê-los melhor. Marcou muito a minha vida – contou.
Essa questão do relacionamento com os jogadores, inclusive, é algo que João Mota trata como uma especialidade dos treinadores brasileiros. Ele reconhece as muitas diferenças e condena alguns discursos proferidos no início da chegada de muitos estrangeiros.
– Aqui no Brasil sempre fui bem tratado, mas dentro do futebol senti um pouco de preconceito, mas são aquelas pessoas que não interessam a ninguém. Já ouvi muito discurso que acho errado. Tive treinadores brasileiros, muitos colegas brasileiros em Portugal. Ainda bem que as portas abriram mais, não só para treinador português. Não devemos olhar pela nacionalidade mas pela qualidade e competência – comentou.
João Mota fala sobre relação dos técnicos portugueses com o Brasil
– O que aprendi muito com o treinador brasileiro é a forma como vivem o espetáculo. A paixão que tem pelo futebol e a parte emotiva. O europeu é mais frio, calculista. Com o futebol globalizado, o treinador não faz diferença tática e tecnicamente. Montar um time todo mundo sabe. A diferença está nos recursos humanos, como lida com as pessoas, como gere conflitos, em conhecer as características dos jogadores e aproveitá-las ao máximo. A gente trabalha com conceitos, não vou ensinar nada ao brasileiro e brasileiro não vai ensinar nada a mim – explicou.
São esses conceitos que João Mota tentará aplicar no Sudão, caso realmente assine contrato. Seu trabalho também será resgatar talentos perdidos pelas categorias de base da Europa que possam reforçar as seleções do país, passando pelo convencimento dos pais sobre o projeto a ser realizado. Ele sabe que não será fácil.
– Vou conseguir mudar um pouco daquilo que é a mentalidade do futebol. Quero um futebol atrativo, intenso, com alguma alegria, não moldando os jogadores, não fazendo robôs, robotizando posições. O futebol hoje é diferente, e jogador tem que acompanhar isso. O treinador que não acompanhar não vai conseguir treinar. Para fazer isso em uma seleção, tem que ter essa capacidade – afirmou.

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