Treinadores sob pressão: a arapuca dos estaduais para os times grandes

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Momento exige sabedoria das gestões para avaliarem se é preciso corrigir a rota ou se a frustração é fruto de expectativa desalinhada dos torcedores O ano começou com os clubes cheios de convicções nas contrações ou continuidade dos treinadores e no que precisavam fazer para corrigir erros do ano passado. Mas apenas três meses depois, a arapuca do estadual pega algumas presas grandes, as certezas se transformam em dúvidas e a avaliação já é rigorosa antes mesmo do Brasileirão começar. Ainda que necessária, a avaliação precisa ser fria e distante do clamor da arquibancada.
Pra início de conversa, time grande merece a cobrança por desempenho insatisfatório no estadual. São Paulo e Vasco têm a obrigação de superarem times de menor expressão, ainda que se leve em consideração os ótimos trabalhos de Eduardo Baptista e Carlos Vitor a frente de Novorizontino e Nova Iguaçu, respectivamente. Investimento, estrutura e história dos clubes pesam mais nesta conta.
Carpini em São Paulo x Santos
Marcos Ribolli
O São Paulo começou o ano com a notícia da saída de Dorival para a Seleção e decide, então, em apostar no treinador em ascensão no cenário nacional, Thiago Carpini. O treinador vinha de ótimos trabalhos e demonstra muito conteúdo sempre que fala sobre futebol. Parece ter também como qualidade a gestão de grupo, algo indispensável para qualquer treinador. Mas comandar o gigante São Paulo é outra coisa: algo totalmente novo para o treinador de 39 anos.
Embora inicie o ano com quebra de tabu e título da Supercopa, o São Paulo mostra dificuldade em colocar em prática a identidade que o novo treinador traz, ainda que seja semelhante ao que o time já executava. Os jogadores parecem entender o que precisam fazer, mas custam a executar. Agora, numa avaliação fria e distanciada da expectativa do torcedor, era mesmo de se esperar um São Paulo avassalador no terceiro mês do ano?
O São Paulo não foi avassalador nem com Dorival Júnior. Na verdade, foi um time que comprou a ideia de fazer o clube voltar a levantar taças e, como é comum de se ver em competições mata-mata, a questão anímica foi de grande valia para fazer o São Paulo campeão em 23. É claro que existia a ideia do Dorival impregnada no time e também sua capacidade tática, mas não era um super futebol – Dorival estava há apenas 6 meses no comando do time. Isso ficou ainda mais claro no Brasileirão, quando o Tricolor sofreu pra fazer frente a adversários fracos, ainda que naturalmente estivesse sem motivação porque já não disputava nada na competição.
Hoje, Thiago Carpini, a aposta convicta do São Paulo, é chamado de burro porque não colocou James Rodrigues mais cedo na partida, porque não soube criar um fato novo no jogo ou preparar uma estratégia tática capaz de superar a defesa bem postada do Novorizontino. Ora, James não era a primeira escolha nem de Dorival. Em campo, não consegue manter regularidade em desempenho, ou seja, como um treinador vai confiar num atleta que não passa segurança sobre seu estado técnico? Além disso, James Rodrigues, o cara que quer ser visto como referência técnica do time, nem se candidatou pra bater um dos pênaltis.
A cobrança é plausível mesmo sobre a dificuldade de Thiago Carpini ler o adversário e promover alguma mudança tática capaz de quebrar a retranca. Aqui sim a discussão é ampla e revela um desafio ao São Paulo: falta experiência ao Carpini e ele vai sofrer com isso por algum tempo. Acostumando a estar do outro lado, sendo o pequeno que destrói o jogo do grande, agora ele carrega o peso do grande que tem a obrigação de superar a defesa do pequeno – ainda que o treinador se destacasse por ser um construtor nos times que treinou antes do Tricolor.
Mas a questão da inexperiência não é novidade para o clube. São Paulo apostou no Carpini consciente disto, portanto se exige que a gestão esteja preparada para viver mais momentos como esse e segurar o rojão que é a insatisfação do torcedor. Não se trata de naturalizar uma eliminação como esta, isso jamais deve acontecer. E sim entender os pontos fracos do treinador, ampará-lo com personagens experientes ao seu lado e relembrar as convicções que respaldaram sua contratação.
No Vasco, outro eliminado para um clube pequeno, o contexto é outro. Ainda que em 2024 apresente um futebol um pouco mais criativo, é um time que oscila demais. As oscilações em desempenho individual, quando não acontecem por conta de alguma interferência do treinador (mudança de função ou posicionamento) são reflexo da qualidade do material humano. Ramon Diaz foi o treinador que salvou o Vasco da queda. Um Vasco que jogava um futebol precário antes da sua chegada. Ramon salva o cruzmaltino pelo fator anímico e por ter consciência das limitações do grupo. Neste ano, os reforços deixaram o Vasco mais forte, sem dúvidas, mas é um momento crucial para que a gestão e os torcedores ajustem as expectativas. O Vasco tem um bom time titular, já o elenco nem tanto. Vai sofrer quando tiver pela frente um adversário que exija repertório.
Ramon Diaz em Vasco e Fluminense
André Durão
Seguindo a quebra de expectativa, o Fluminense não classificou e não vinha jogando um futebol convincente, como se espera do atual Campeão da América.
Aí a batida é mais embaixo. Estão todos errados em esperar do Fluminense um bom futebol no terceiro mês do ano? Veja bem, é um time que tem a ideia do treinador assimilada, fez uma janela de contratação onde pôde focar pontualmente naquilo que o treinador identificou como carência e, por conta disso, não perde tempo em adaptação.
Fernando Diniz reclama de criticas às escalações do Flu: “Falso tricolor”
Fernando Diniz citou a pré-temporada tardia do time neste ano e é claro que isso faz diferença, principalmente porque viu pela frente um Flamengo que está voando. Mas é só o aspecto físico que tem impactado no futebol do Flu? Nem vou adentrar na questão defensiva do Fluminense, visto que a ideia de jogo do Diniz não me parece sequer levar em consideração a fase defensiva do jogo – ele, de fato, acredita que a melhor defesa é ter a posse da bola. Não fosse isso, o que justificaria a escolha por jogadores com poder técnico acima de qualquer coisa?
Não é texto pra discutir se a ideia dele é boa ou ruim. Pra mim é boa, ponto. Fez o time ser campeão da América jogando assim. Mas é natural que ao longo do tempo os adversários criem artimanhas para superá-la. E superar o Diniz, hoje, é basicamente (e por ser básico, não significa ser simples) roubar a bola na intermediária e escapar da primeira pressão dos jogadores tricolores. A partir disso, o Flu é completamente vulnerável porque não coloca em campo jogadores pensando nas suas características defensivas como prioridade. Em outras palavras, sofre pra correr pra trás, pra recompor e fechar espaços.
Então, quem sabe, a discussão deveria ser: Fernando Diniz sabe dar continuidade à evolução do seu próprio conceito? Qual é o próximo estágio quando o adversário já sabe como combate-lo? Como diminuir a perda da posse da bola? É porque o time ainda não atingiu sua forma física ideal que ele não consegue fazer a aproximação e trocar passes numa rotação mais rápida que a marcação adversária?
Em Minas, tem o Galo, com o treinador que arrumou o time no ano passado sendo severamente massacrado porque tem tentado algumas mudanças táticas no estadual. Veja bem, Felipão tem sido criticado porque tem feito testes no único período do ano que permite fazer isso.
Estamos muito acostumados a resumir o futebol em: “este serve, este já não serve mais. Vamos descartar.” É bem mais fácil buscar a solução pronta que acalma o clamor da torcida, ao invés de corrigir, insistir e viver o processo da evolução – que envolve decepções, inclusive. Afinal, não se evidencia a todo instante a força do Palmeiras com seu treinador de longa data? O clube não atingiu isso da noite para o dia, ainda que conte com um talento fora da curva na beira do campo.
Cada vez mais as decisões de gestão impactam no futuro dos clubes, não só administrativamente como, neste caso, especialmente no desenvolvimento de um futebol competitivo. E isso está estreitamente conectado com a capacidade das direções identificarem o que é sólido no processo de construção da identidade de jogo e do que não é.

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