Uma Seleção com futebol à brasileira, Dorival

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Dorival Júnior tem em suas mãos uma geração que lhe permite construir um futebol leve, solto e imprevisível O título do texto pode confundir. Afinal de contas, o que é um futebol à brasileira? Faz tanto tempo que apenas reproduzimos conceitos europeus de jogo que o “à brasileira” se perdeu em alguma esquina. Talvez porque nossa escola de treinadores tardou a evoluir, talvez porque os europeus correram para executar um futebol que não dependesse tanto dos talentos individuais. Fato é que por não nos atualizarmos acabamos abandonando o futebol arte e agora não sabemos muito bem como equilibrar um futebol disciplinado taticamente com uma ideia de jogo que promova a imprevisibilidade.
Vini Jr. em Brasil x Venezuela, pelas eliminatórias
REUTERS/Adriano Machado
Ora, se pensarmos bem, o jogo de futebol se desenrola num propósito: enganar a defesa adversária. Podemos dizer, portanto, que o futebol é o jogo do imprevisível e que todos os esforços das táticas e treinamentos ofensivos são feitos para envolver a defesa do adversário e que todos os treinamentos defensivos são para prever os movimentos do ataque adversário e estar preparado para qualquer circunstância que o ataque possa oferecer. Geralmente vence quem que faz aquilo que a marcação não espera.
O Brasil produz a matéria-prima mais valiosa deste esporte: o jogador que é capaz de fazer o imprevisível acontecer dentro de campo. E muitas vezes encaixotamos os nossos talentos em sistemas de jogo feitos exatamente para suprir a carência de talentos individuais (por exemplo, pedir que um ponta tenha como função principal gerar espaço para que um outro jogador ocupe é a assinatura do treinador sobre incompetência deste atacante – mas graças a Deus isso nós não fazemos mais). Bem, nesta ideia citada o ponta também podia ir pra cima e tentar o drible, como se fosse um botão que se aciona. Movimentos completamente previsíveis. Futebol chato e sem carisma. Enfim. Águas passadas, tomara.
A missão de Dorival é dar uma identidade à Seleção Brasileira em meio à competição. Desta vez, o técnico da Seleção tem uma geração que lhe dá a oportunidade de fazer algo diferente na forma de jogar. Mas será que finalmente veremos um futebol que valoriza as características dos atletas brasileiros?
Rodrygo comemora gol em Estados Unidos x Brasil
David Rosenblum/Icon Sportswire via Getty Images
Depois de uma era de 6 anos com Tite, nos acostumamos a ver um futebol que se dobrava à disciplina tática e tinha como prioridade equilíbrio defensivo e exposição controlada do ataque. Pontas bem abertos, amplitude no meio, referência posicional no ataque. Fazia sentido na época principalmente pela oferta de jogadores, embora, para mim, aquele futebol podava a habilidade que o jogador brasileiro tem de fazer o inesperado em campo, de trazer para o gramado a criatividade do futebol da rua. Acredito que quando o jogador de ataque coloca como prioridade movimentos que precisam ser raciocinados, acaba deixando de lado o futebol intuitivo e imprevisível – que é aquele que, de fato, confunde as defesas -, perdendo frações de segundo que atrasam a execução da jogada e dão tempo de leitura à marcação.
Sim, as defesas também podem ser envolvidas por movimentos coletivos treinados. Eles são necessários e podem coexistir com um ataque solto e livre (ainda que nunca completamente) de tarefas táticas. Não vou me alongar neste embate de ideias, mas fazer coro por uma Seleção Brasileira que, enfim, tem a oportunidade preciosa de jogar um futebol mais próximo das suas raízes.
Dorival Júnior tem em suas mãos uma geração que lhe permite construir um futebol competente em cumprir funções táticas e ser disciplinado coletivamente, mas, ao mesmo tempo, em ser livre para criar.
Dorival Júnior cumprimenta Martinelli em vitória do Brasil sobre o México
Rafael Ribeiro / CBF
É um desafio gigantesco equilibrar esses dois aspectos. No ataque, Rodrygo, Vini e Endrick são os 3 jogadores que flutuam. Endrick ainda é reserva, mas com o tempo vai pedir passagem. E é neste momento que Dorival terá que optar entre o jogo mais intuitivo (e por vezes vulnerável) e a segurança defensiva. Porque o nome do ataque que hoje garante uma sustentação na segunda linha, sendo posicional e cumprindo a função tática é Raphinha. Tirar ou não esse jogador do time vai indicar qual é a lógica de jogo que Dorival vai adotar.
O ataque solto depende de vários aspectos para ter sucesso e assim vamos entendendo um pouco mais o desafio de Dorival: para o ataque jogar livre de posição, o meio campo precisa estar muito afinado. É importante lembrar que o técnico nem definiu ainda qual o trio que prefere por ali – Dorival a recém começa seu trabalho na Seleção. Para a ideia funcionar, os dois volantes precisam estar muito seguros e entrosados entre si para fazer a pressão pós-perda, pois com um ataque que não guarda posição é imprescindível recuperar a bola sem precisar recompor.
Além disso, o comportamento do terceiro homem do meio campo é componente importantíssimo nessa nova ideia de jogo. Mais do que ser meia armador, é ele quem precisa estar ligado no espaço que sobrará quando o ataque flutuar. Esse detalhe faz muita diferença: no futebol de pontas posicionais, geralmente o meia é o jogador que sobra na recomposição junto do centroavante. Ele é quem costuma estar solto, quem normalmente flutua nas costas dos volantes. Hoje, é Paquetá quem faz essa função e nos últimos amistosos ele não tem atuado bem.
Naturalmente, é necessário ter uma linha defensiva bem estruturada. Dorival tem focado bastante nisso, tentando encontrar defensores que equilibram qualidade na saída de bola e poder de desarme. Pensando na possível dinâmica de flutuação do ataque, as laterais vão precisar fazer a leitura acertada de quando devem ou não se expor.
Bellingham, Vini Jr. e Rodrygo em ação pelo Real Madrid na Liga dos Campeões
James Gill – Danehouse/Getty Images
Mais do que toda essa teoria fala, a prática é bem complicada. Poucos são os times que ousam quebrar o paradigma dos últimos 15 anos de um ataque posicional. Mas dá pra citar o Real Madrid especialmente na última Champions League onde Carlo Ancelotti brincou com seu trio ofensivo, dando a liberdade que precisava para enlouquecer a defesa adversária. No entanto, se faz necessária uma ressalva aqui: o Real Madrid jogou abdicando da posse de bola na maioria dos jogos e isso muda bastante o comportamento do meio campo. Não acredito que será a tônica da Seleção.
Será um desperdício de talentos se Dorival não ir além e criar um sistema de jogo que alie a organização tática com aquela partícula do futebol que não se ensina na categoria base – e que costumamos exportar para Europa. O processo pra desenvolver essa forma de jogar pode ser doloroso e fazer-nos assistir uma Seleção mais vulnerável enquanto ela não encaixa e talvez o torcedor não tenha mais paciência para isso. Mas para quem pensa na Copa de 2026, Dorival tem nas mãos uma oportunidade gigantesca de inovar.

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