‘Espanglês’, igrejas latinas e slogan em espanhol: como Trump e Biden correm atrás do voto latino nos EUA, que inflou e migra para a direita

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Latino-americanos aptos a votar nas eleições norte-americanas são 36 milhões, 4 milhões a mais que no último pleito e 15% do eleitorado total. Pesquisas mostram migração do voto latino, tradicionalmente democrata, para o Partido Republicano. Cartaz de ato de campanha de Donald Trump na Pensilvânia, nos EUA, em 12 de junho de 2024. Slogan adotou ‘espanglês’, dialeto que mistura inglês e espanhol muito utilizado pela comunidade latino-americana.
Joe Lamberti/ AP
Se por um lado adotam políticas e discursos contra imigrantes, por outro Joe Biden e Donald Trump têm investido em uma corrida sem precedentes na política dos EUA para conquistar o “voto latino”, como é chamado o eleitorado de latino-americanos residentes de forma legal nos EUA.
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A pressa de ambos os lados tem um motivo: esse eleitorado, tradicionalmente democrata, não só inflou significativamente como está migrando em grande velocidade para o Partido Republicano —conservador. A campanha de Joe Biden tenta recuperar, enquanto ainda há tempo, parte desses eleitores. Já o comitê de Donald Trump trabalha para aumentar e tornar permanente essa migração.
E, para isso, nenhum dos lados tem economizado: lançaram campanhas em comícios em redutos latino-americanos, exibem cartazes e sites em espanhol, visitam igrejas da comunidade latina e já até adotaram o “espanglês” — o dialeto híbrido que mistura palavras em inglês e espanhol — em vídeos e slogans (leia mais abaixo).
As eleições para presidente nos Estados Unidos acontecem em 5 de novembro. Biden tenta a reeleição, enquanto Trump quer voltar à Casa Branca; ele presidiu os EUA de 2017 a 2021 e perdeu as últimas eleições justamente para o democrata.
Segundo um levantamento do jornal “The New York Times” com o Siena College, divulgado em março deste ano, 46% dos latino-americanos votariam em Donald Trump, enquanto 40% escolheriam Biden. O percentual não é exato, e a própria pesquisa estabeleceu uma margem de erro de 10 pontos percentuais com a justificativa da volatilidade do voto latino.
Em maio, o instituto YouGov, de pesquisas de internet, apontou empate: 43% dos eleitores latinos manifestavam preferência por Trump, e outros 43%, por Biden.
Já uma pesquisa mais recente, feita em junho pela CNN Internacional, mostra uma ligeira preferência por Biden entre os votantes latino-americanos: 51% disseram que votariam no democrata, contra 44% que expressaram apoio a Trump.
Mesmo considerando a margem de erro, os números mostram que os republicanos têm crescido entre esse eleitorado, que, nas eleições anteriores, em 2020, apoiaram em peso o presidente Joe Biden, com 59% da preferência, contra 32% para Donald Trump.
Na eleição de Barack Obama, em 2008, o apoio era ainda maior: o percentual de latino-americanos que votou no Partido Democrata chegou a 70%, ainda de acordo com o levantamento do jornal “The New York Times”.
A atenção extra de Biden e Trump ao eleitorado latino corre em paralelo com medidas anti-imigração: Biden, na política migratória mais dura de um governo democrata, anunciou, no início do mês, o fechamento parcial das fronteiras com o México. Já Donald Trump, que levanta alto a bandeira contra imigrantes, promete de deportações em massa caso eleito e chama estrangeiros de terroristas.
Ambiguidade
Por mais ambíguo que possa parecer, os dois candidatos tentam agradar o eleitorado nacional insatisfeito com os recordes de entrada de imigrantes, mas também sabem que não podem deixar de lado o voto latino, que inflou: são agora 36 milhões de pessoas, 4 milhões a mais que nas últimas eleições, e representam 15% do total de eleitores, segundo o instituto de pesquisa norte-americano Pew Research Center.
Um percentual que se torna ainda mais importante nos chamados “estados decisivos”, ou “estados-pêndulo” — aqueles onde não há uma tradição de preferência por um partido ou outro, e o voto varia dependendo do ano.
Nesses estados, como Wisconsin, Pensilvânia e Nevada, a presença da comunidade latino-americana, e o percentual de latino-americanos chega a 19% do total de eleitores, segundo a Associação Nacional de Funcionários Eleitos e Nomeados Latinos (Naleo, na sigla em inglês).
Na semana passada, a equipe de campanha de Donald Trump escolheu a Pensilvânia para lançar um escritório focado no voto latino e com nome em “espanglês”: “Latino Americans for Trump”.
Uma das estratégias foi alterar o slogan da campanha visando os latino-americanos: em vez de só “Latinos for Trump”, o comitê de campanha republicano adicionou o termo “americans (americanos)” para frisar a cidadania norte-americana e distanciar o eleitorado latino de Trump de imigrantes ilegais.
Essa é uma forma de justificar, para esse eleitorado, os frequentes discursos anti-imigração e ofensas a imigrantes por parte de Trump — na semana passada, em um discurso em Las Vegas no mesmo dia do lançamento do escritório de voto latino, o ex-presidente acusou os imigrantes de “estarem transformando os EUA em um depósito de lixo”.
A campanha de Trump sabe que os xingamentos constantes e a promessa de deportação em massa não devem afetar a migração do voto latino para o Partido Republicano. Isso porque se trata de um eleitorado que não só busca se descolar de imigrantes que estão chegando agora aos EUA mas, principalmente, se preocupa muito mais com a economia do país e em conseguir realizar o chamado “Sonho Americano”.
Biden não conseguiu se conectar
Além disso, o levantamento do Pew Research mostra que a maioria dos votantes latino-americanos que migram para o Partido Republicano é jovem, normalmente filhos de imigrantes que nasceram nos EUA ou chegaram ainda crianças ao país.
“Não é sobre discursos pró ou anti-imigração, é mais sobre o fato de que Biden não conseguiu se conectar com eleitores jovens em geral, e a demografia dos eleitores latino-americanos e bem nova, talvez abaixo dos 30 anos”, disse ao g1 o consultor político Sam Logan, fundador da consultoria de Washington Southern Pulse.
“Biden não tem uma marca política tão forte para esse latino-americanos como o Trump tem”, afirmou.
Espanglês, igrejas, site em espanhol
Os dois candidatados — que constantemente se atacam mutuamente por suas idades — tem tentado táticas para fidelizar os jovens latino-americanos.
Uma das principais delas é o uso do “espanglês”, o dialeto espontâneo que mistura palavras de inglês e espanhol. Embora já venha sendo usado há várias gerações, o espanglês ganha novas versões a cada uma delas e vai se perpetuando como linguagem padrão entre os jovens latinos.
O slogan de campanha de Trump para a comunidade hispânica — Latino Americans for Trump — adotou o dialeto. Já o comitê de Joe Biden foi mais além e lançou um vídeo de campanha inteiro em “espanglês”.
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O site de campanha de Biden também conta com uma versão inteira em espanhol, idioma no qual seu comitê constantemente lança vídeos e mensagens. E os democratas aproveitaram a Copa América, que começou esta semana e acontece nos Estados Unidos neste ano, para fazer campanha entre as torcidas.
Já os republicanos vêm apostando também no apelo religioso — tradicionalmente, a comunidade latino-americana é fortemente católica. Deputados da sigla que apoiam Trump têm visitado igrejas para fazer campanha —o próprio Donald Trump fez um comício dentro de uma delas, em Detroit, na semana passada.
Donald Trump faz comício dentro de igreja em Detroit, em 15 de junho de 2024.
Brian Snyder/ Reuters
A despeito dos discursos xenófobos de Trump, seu comitê vem tentando explorar essa marca e aproveitar o momento favorável.
“Tradicionalmente, os republicanos não conseguem persuadir os eleitores negros e hispânicos a votarem no nosso partido”, afirmou à agência de notícias Associated Press a conselheira sênior de campanha de Donald Trump, Lynne Patton.
“Mas desta vez há uma deserção histórica (dos latinos do Partido Democrata). Trump acredita que vai ser capaz de abraçar essa deserção histórica que estamos testemunhando nas comunidades negras e hispânicas do partido Democrata e garantir que isso seja permanente.”

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