Câmara coloca na pauta anistia a partidos que descumpriram cotas de mulheres e negros

Texto ficou travado em comissão especial e agora pode ser colocado para votação diretamente no plenário. Proposta livra partidos de punições e diminuir recursos para candidatos negros. As lideranças partidárias da Câmara dos Deputados decidiram nesta terça-feira (18) retomar a discussão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que perdoa partidos políticos que não cumpriram cotas de candidaturas de mulheres e de negros nas eleições — a chamada PEC da Anistia.
O texto, que ficou travado em uma comissão especial, poderá ser levado diretamente ao plenário por questões regimentais.
A proposta já consta da pauta desta terça (18) do plenário da Câmara e já poderá ser discutida. Lideranças ouvidas pelo g1 e pela GloboNews dizem que a análise poderá ocorrer na quarta (19).
PEC da Anistia inclui reserva de vagas femininas no legislativo, mas elimina cota
Acelerada
Pelas regras internas da Câmara, comissões especiais criadas para analisar PECs têm um prazo de até 40 sessões do plenário da Casa para aprovar um parecer. Se a análise não ocorrer neste período, o presidente da Câmara pode colocar a proposta em votação diretamente no plenário, pelo conjunto dos deputados.
A manobra será utilizada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para colocar o texto na pauta às vésperas das eleições municipais de 2024.
O prazo para o colegiado que discutia a PEC da Anistia se encerrou em novembro passado, sem a conclusão da análise.
A PEC em discussão na Câmara prevê livrar os partidos de qualquer punição – como multa, devolução ou suspensão dos recursos – por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC.
O perdão pode alcançar R$ 23 bilhões em recursos públicos que ainda não foram analisados pela Justiça Eleitoral.
Além disso, a proposta:
diminui os recursos para candidatos negros;
abre brecha para que um partido indique apenas homens como candidatos;
perdoa partidos que não repassaram cotas para mulheres e negros; e
reserva vagas para mulheres no Legislativo.
PEC da Anistia: R$ 23 bilhões gastos por partidos ficariam sem prestação de contas
Alvo de crítica de especialistas, a PEC foi apresentada em março do ano passado. O texto reuniu apoio de dirigentes de siglas partidárias e de quase 200 deputados de diferentes espectros políticos e líderes de oito siglas na Câmara.
Para entidades de transparência eleitoral, o benefício proposto pela PEC tem potencial de prejudicar a democracia e dificultar o trabalho de fiscalização por parte da Justiça Eleitoral.
Diretor-executivo do movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa classificou a proposta como “bastante engenhosa”.
“É uma anistia global, que sinaliza em sentido oposto ao fortalecimento da democracia brasileira. Isso porque os partidos são o coração da nossa democracia e precisam ser fortalecidos com instituições transparentes, íntegras e democráticas. Quando patrocinam anistias pelo descumprimento de regras aprovadas pelo próprio sistema político do qual são a principal engrenagem, sinalizam para todo o restante da sociedade que a lei não é para todos e que pode ser casuisticamente modificada pelos que detêm o poder”, avaliou Issa em 2023.
Ponto a ponto
A última versão disponível da PEC foi apresentada pelo relator da comissão especial, deputado Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), em setembro de 2023.
Pelo texto, os principais pontos da PEC são:
Perdão por irregularidades: livra os partidos de qualquer punição, como multa, devolução ou suspensão dos recursos, por irregularidades nas prestações de contas antes da data da promulgação da PEC. Na prática, segundo especialistas, isso impede o trabalho da Justiça Eleitoral.
Uso do fundo partidário para multas: o pagamento de multas ou ressarcimento por irregularidades pode ser feito com recursos públicos do fundo partidário, mas o valor é limitado a 10% do valor recebido mensalmente pela legenda.
Desrespeito a cota de negros e mulheres: anistia os partidos pela falta de repasses mínimos para candidatos negros e mulheres nas eleições de 2022. Em abril do ano passado, o Congresso já tinha promulgado outra emenda que perdoou este tipo de irregularidade em eleições até 2020;
Perda de mandato: livra de punições por perda de mandato os partidos que tenham descumprido a cota mínima de gênero nas eleições passadas. A medida poderia reverter decisão da Justiça Eleitoral que condenou o PL por fraude à cota de gênero nas eleições de 2022 e determinou que quatro deputados estaduais eleitos para o Ceará perdessem seus mandatos.
Redução de verba para negros: reduz os recursos para candidatos negros nas campanhas eleitorais para, no mínimo, 20% dos fundos eleitoral e partidário para campanha. A medida contraria entendimentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que definiram que a verba para negros deve seguir proporcionalmente o número de candidatos. Por exemplo, no ano passado, pouco mais de 50% dos candidatos se autodeclararam negros – portanto, este é o percentual que deveria ter sido repassado pelas siglas.
Reserva de cadeiras: a partir de 2026, reserva 20% das cadeiras para as mulheres em eleições proporcionais, isto é, na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas, na Câmara Legislativa do Distrito Federal e nas câmaras de vereadores do país. No ano que vem, está prevista uma regra de transição, de 15%.
Brecha para candidaturas apenas de homens: acaba com a obrigatoriedade de preenchimento de 30% das cotas de candidatas mulheres. Pela regra proposta, o partido deve reservar as vagas “sem a obrigatoriedade do efetivo preenchimento”.

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