Cassação de contrato da Enel SP é última das possibilidades de processo aberto por ordem do governo federal; entenda

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MME vê possibilidade de cancelar contrato da distribuidora por apagões em SP. Outras penalidades menos graves, como multa ou intervenção na empresa, são previstas. O Ministério de Minas e Energia pediu abertura de processo contra a Enel
A cassação do contrato da Enel em São Paulo é a última das possibilidades previstas em um processo – que pode ser demorado – aberto a pedido do governo federal, afirmam especialista consultados pelo g1.
Nesta segunda-feira (1º), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, enviou uma carta à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em que pede a abertura de um processo disciplinar para apurar as condições da Enel de manter a prestação dos serviços de distribuição de energia.
Áreas cobertas pela Enel em São Paulo sofreram apagões e quedas de luz no fim de 2023 e, também, no mês passado.
No ofício enviado à Aneel, Silveira menciona a possibilidade de o processo resultar em “caducidade” da concessão. Isso significa que o contrato da Enel pode ser cassado e a área em que a distribuidora atua pode ser cedida a outra empresa.
A caducidade de uma concessão é recomendada pela Aneel, quando a agência verifica que a empresa vem descumprindo obrigações contratuais e não tem condições de manter a prestação de serviços à população.
Veja nesta reportagem respostas para as seguintes perguntas:
Quais as etapas do processo aberto pela Aneel?
O que pode levar à cassação?
O contrato da Enel RJ pode ser prejudicado?
O que diz a Enel?
O processo passa pelas seguintes etapas:
análise preliminar da Aneel;
caso a agência encontre transgressões, a empresa terá um prazo para regularizar sua situação;
se a Aneel verificar que não houve regularização, pode abrir processo de cassação, com direito a defesa pela empresa;
decisão da diretoria Aneel sobre recomendar cancelamento do contrato;
decisão do Ministério de Minas e Energia para cassar o contrato.
O decreto que regulamenta a criação da Aneel, datado de 1997, concede à agência o papel de condução do processo de cassação.
“A decisão de caducidade deve passar primeiro pela Aneel, a Aneel vai recomendar, como está na legislação, e encaminha isso ao Poder Concedente [governo federal]. Então, não pode o ministério atropelar, a não ser que seja revogado esse decreto”, explica o advogado André Edelstein.
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Quais são as outras punições previstas?
A cassação do contrato não é a única consequência possível do processo aberto pela Aneel.
O processo pode resultar em outras penalidades, menos graves que a rescisão do contrato, como:
advertência
multa
obrigação de tomar alguma medida específica
intervenção na empresa
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Vista aérea de bairros de São Paulo sem luz em novembro de 2023
Reprodução/GloboNews
O que pode levar à cassação?
A cassação do contrato precisa da comprovação de que a distribuidora descumpriu regras ou não tem condições técnicas, operacionais ou financeiras de manter a prestação dos serviços.
“A rescisão ou a caducidade da concessão de uma distribuidora ocorre apenas em casos extremos, onde a concessionária inadimpliu com suas obrigações contratuais e não pode cumprir com os serviços para os quais foi contratada”, explicou o advogado Guilherme Schmidt.
A lei das concessões estabelece os seguintes motivos para o governo federal declarar a extinção dos contratos:
ineficiência ou inadequação da prestação do serviço à população, “tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço”;
descumprimento de cláusulas contratuais, legais ou regulamentares;
paralisação do serviço, exceto em “caso fortuito ou força maior”;
perda de condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a prestação dos serviços;
descumprimento de penalidades;
não atendimento de intimação do governo para regularizar a prestação dos serviços;
não atendimento de intimação do governo em até 180 dias.
“No caso da Enel, seus índices de qualidade e de desempenho são bons ao longo dos anos, apesar da percepção ruim em virtude de alguns acontecimentos recentes. Um processo de rescisão, no momento, não parece ser justificável”, avalia Schmidt.
Atualmente, o Ministério de Minas e Energia tem um processo de cassação em andamento: o da Amazonas Energia.
A extinção do contrato foi recomendada pela Aneel em novembro de 2023, depois de verificar que a empresa não tem condições financeiras de manter a concessão. A Amazonas Energia foi intimada pela agência em setembro de 2022, dando início ao processo de caducidade.
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Carro da distribuidora de energia elétrica Enel estacionado em rua de São Paulo
RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O contrato da Enel RJ pode ser prejudicado?
Em entrevista a jornalistas na segunda-feira (1º), Silveira disse que o processo disciplinar da Enel São Paulo pode afetar a renovação do contrato da Enel Rio de Janeiro.
“É claro que, se apurada a possibilidade de a Enel estar descumprindo com índices mínimos de qualidade, a sua renovação pode ser sim comprometida, em especial a sua renovação no estado do Rio de Janeiro, que é o contrato que vence durante a nossa gestão”, declarou na ocasião.
Embora pertençam ao mesmo grupo econômico, as distribuidoras são empresas diferentes e atuam em áreas de concessão distintas. O contrato da Enel SP vence em junho de 2028 e o da Enel Rio, em dezembro de 2026.
O Ministério de Minas e Energia está definindo as regras para renovação dos contratos que estão perto do vencimento até 2030. São mais de 20 empresas, que representam 60% do mercado de distribuição.
Segundo o advogado André Edelstein, infrações de uma empresa de um grupo econômico não costumam afetar outra empresa do mesmo grupo com concessão de distribuição. Contudo, isso pode mudar caso o governo estabeleça essa restrição no processo de renovação que está em curso.
“A princípio, uma concessão não contamina a outra. Mas se a regra do jogo for ‘olha, não quero que o grupo econômico que tenha tido alguma inadimplência tenha renovação’, pode acontecer”, afirmou.
O diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, afirmou que “sob o ponto de vista processual da agência”, problemas em um concessão não afetam outro contrato, mesmo que sejam do mesmo grupo econômico.
Contudo, ele reforçou que “a decisão de manter um concessionário prestando um serviço outorgado é uma competência e uma prerrogativa do poder concedente [o governo federal]. A Aneel auxilia o poder concedente, faz fiscalização, acompanha contrato, mas a decisão ao fim e ao cabo é do poder concedente”, declarou.
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O que diz a Enel?
Em nota divulgada nesta segunda-feira, a Enel disse que cumpre com “todas suas obrigações contratuais e regulatórias” e que está implementando um plano de investimentos e modernização dos serviços, que inclui um aumento do quadro de funcionários próprios.
Segundo a distribuidora, até o fim de 2026, serão investidos R$ 18 bilhões no Brasil – sendo que “cerca de 80% [do valor serão investidos em distribuição de energia”.
Leia a íntegra do comunicado divulgado pela Enel:
Enel reitera o seu compromisso com a população em todas as áreas em que atua e seguirá investindo para entregar uma energia de qualidade para todos. Em relação à concessão de São Paulo, a distribuidora esclarece que cumpre integralmente com todas as obrigações contratuais e regulatórias e está implementando um plano estruturado que inclui investimentos no fortalecimento e na modernização da estrutura da rede, na digitalização do sistema e na ampliação dos canais de comunicação com os clientes, além da mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências. O plano contempla também o aumento significativo do quadro de pessoal próprio.
A companhia informa ainda que já pagou parte das multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e outras encontram-se em fase de recurso, seguindo trâmites normais do setor. Reitera que, nos últimos anos, fez grandes investimentos para elevar a qualidade do serviço e enfrentar os desafios por que passa o setor elétrico, com os efeitos das mudanças climáticas. Em São Paulo, desde 2018, quando assumiu a concessão, a Enel já investiu R$ 8,36 bilhões, com média de cerca de R$ 1,4 bilhão por ano, quase o dobro da média anual de R$ 800 milhões realizada pelo controlador anterior. Com isso, os indicadores operacionais DEC (que mede o tempo médio durante o qual cada unidade consumidora fica sem energia elétrica) e FEC (que contabiliza o número de interrupções ocorridas) registraram melhora de quase 50% desde 2017, e estão melhores que as metas estabelecidas pela Aneel. Além das informações sobre os indicadores acompanhados pela agência reguladora, a companhia segue prestando todos os esclarecimentos às autoridades.
Para o período 2024-2026, a Enel vai investir no Brasil US$3,647 bilhões (R$ 18 bilhões), o que demonstra o compromisso do grupo com o Brasil. Deste total, cerca de 80% serão investidos em distribuição de energia. Com o plano estratégico da nova gestão, que prevê investimentos substanciais, a empresa decidiu reforçar ainda mais o seu compromisso com o País, a fim de melhorar a resiliência do sistema elétrico. Para realizar esse ambicioso projeto, a Enel certamente encontrará a total cooperação e apoio de todas as instituições do país.
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