Cesta básica: entenda o que dizem as leis sobre o tema e o que pode mudar com a reforma tributária

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Originalmente criada no governo Getúlio Vargas, cesta básica não previa redução de impostos. Regulamentação da reforma tributária definirá quais produtos ficarão isentos. Cesta básica será um dos principais temas da regulamentação da reforma tributária em 2024
Divulgação
O governo federal publicou nesta semana decreto que cria a “nova cesta básica”, que servirá somente para orientar políticas do governo para garantir o direito à alimentação saudável.
Pelo decreto, que faz parte de um pacote de ações voltadas à segurança alimentar e combate à fome, a cesta básica deve ser composta apenas por alimentos in natura ou minimamente processados, além de ingredientes culinários.
Os alimentos ultraprocessados – aqueles com mais de cinco ingredientes no rótulo, geralmente com conservantes ou aromatizantes artificiais – ficam de fora, como nas versões anteriores.
Mas, afinal, para que servem essas definições? Elas impactam no bolso, no prato, na vida do brasileiro? Nas próximas seções, o g1 explica:
O que é uma “cesta básica”?
Quais são as leis que tratam da cesta básica – ou das cestas básicas?
O que a nova regra assinada nesta semana altera?
E as cestas básicas estaduais, como funcionam?
Qual a relação entre a cesta básica com a reforma tributária, que ainda será regulamentada?
O que é uma ‘cesta básica’?
A cesta básica, por definição, pressupõe um conjunto mínimo de bens que deveria conter para atender às necessidades de uma família.
A depender da definição utilizada, o termo pode se referir apenas aos alimentos incluídos na rotina da família ou incluir outros itens, como produtos de limpeza e higiene pessoal.
Relatório publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2023 mostra que o Brasil tem 21 milhões de pessoas que não têm o que comer todos os dias e 70,3 milhões em insegurança alimentar.
Governo publica novas regras para a cesta básica
Quais leis tratam do tema?
Há em vigor atualmente, ao mesmo tempo, diversas leis que tratam de diversos conceitos de cesta básica.
1938: decreto para regulamentar salário-mínimo
Um decreto assinado por Getúlio Vargas em 1938 – e ainda em vigor –, por exemplo, define a cesta básica como um conjunto de alimentos que seria suficiente para o sustento e bem-estar de um trabalhador em idade adulta, contendo quantidades balanceadas de proteínas, calorias, ferro, cálcio e fósforo.
A definição fez parte da legislação que regulamentou o salário-mínimo. Não houve redução de tributos para os produtos.
2013: MP para zerar impostos
Em 2013, no primeiro governo Dilma Rousseff, uma medida provisória convertida em lei zerou os impostos sobre produtos alimentares considerados componentes da cesta básica.
Com essa mudança, três impostos (PIS/Pasep, Cofins e IPI) deixaram de incidir sobre alguns alimentos (carnes, peixes, café, açúcar, óleo de soja e outros óleos vegetais, manteiga e margarina) e alguns produtos de higiene (sabonete, papel higiênico e produtos de higiene bucal ou dentária).
2023: decreto para regulamentar políticas alimentares
O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicado nesta semana cria a “nova cesta básica” – uma terceira regra, voltada especificamente a orientar as políticas do governo federal ligadas à alimentação.
O novo decreto não modifica a lista de alimentos levados em conta para o cálculo do salário-mínimo e também não altera a relação de produtos de com redução tributária.
Cestas básicas estaduais
Além da cesta básica nacional, com isenção de tributos federais, cada estado tem autonomia para zerar o ICMS, um imposto estadual, sobre os itens que considerar integrantes da cesta básica.
Essas alíquotas são zeradas para alguns produtos em alguns estados, mas podem chegar a até 33% segundo levantamento da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
ONU discute insegurança alimentar
Nova cesta básica
O decreto publicado nesta semana não muda a legislação anterior sobre o tema, mas vai servir especificamente para orientar o governo em políticas que ajudem a erradicar a fome e a insegurança alimentar no país.
A secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Lilian Rahal, afirma que a nova cesta básica não é impositiva.
A ideia é que a lista funcione como um “guia orientador” de políticas do governo de produção, abastecimento e consumo de alimentos saudáveis.
O documento, que definiu 10 grupos de alimentos que compõem a cesta básica saudável, pode embasar, por exemplo, a escolha de produtos que serão comprados pelo governo ou a definição da política de subsídios para produção agrícola.
A lista ficou assim:
Feijões (leguminosas)
Cereais
Raízes e tubérculos
Legumes e verduras
Frutas
Castanhas e nozes (oleaginosas)
Carnes e ovos
Leites e queijos
Açúcares, sal, óleos e gorduras
Café, chá, mate e especiarias
“Não há um modelo fechado de cesta básica. Para compor uma cesta básica saudável você pode ter pelo menos um alimento de cada um desses grupos, mas isso não é obrigatório, pois leva-se em conta também questões regionais e a necessidade da população que receberá a cesta”, diz Lilian, do Ministério do Desenvolvimento Social.
Cesta básica nacional
Sem a cobrança de impostos federais (PIS/Pasep, Cofins e IPI), a lista da cesta básica nacional, que não tem a ver com a nova cesta básica divulgada nesta semana, contempla produtos como: carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e peixes; café, açúcar, óleo de soja, manteiga, margarina, sabões, produtos para higiene dentária, e papel higiênico, além de leite, feijão, arroz, farinha de trigo ou massa, batata, legumes, pão e frutas.
Governo quer aperfeiçoar a política da cesta básica e focar na parcela da população mais pobre
Jornal Nacional/ Reprodução
De acordo com relatório do de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) feito em 2021, as regras atuais também incluem itens que são consumidos principalmente pela população de maior renda. Por exemplo:
salmão;
bacalhau;
queijos como ricota e provolone;
fígado de pato e de ganso (“foie gras”);
óleo de coco;
cogumelos e trufas;
nozes, macadâmia e tâmaras.
“Foram então encontrados 745 alimentos diferentes abrangidos pelas leis de desoneração de tributos federais. Não foram incluídos outros produtos básicos, que por vezes são considerados na análise de desoneração da cesta básica, mas que não guardam relação com a alimentação, como por exemplo, produtos de higiene”, informa o relatório do de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP”), divulgado em 2021.
Regras dos estados
Além das leis federais, cada estado criou sua própria lista de produtos da cesta básica, com redução ou isenção de tributos estaduais. Estados, municípios e o Distrito Federal poderão utilizar a relação da ‘nova cesta básica’ em suas ações.
Estudo da FGV Direito de São Paulo, de abril de 2023, mostra que existem variações da cesta básica em função de peculiaridades no consumo das famílias de cada região do país.
Segundo o levantamento, três estados não possuem benefícios formais para cesta básica: Roraima, Rondônia e Paraíba.
Veja os produtos da cesta básica, com benefícios tributários, de alguns estados:
carvão, lenha, doces e guloseimas na BA;
analgésicos e antiinflamatórios, entre outros medicamentos, em SP, MG, AC e PA;
absorvente higiênico, fraldas geriátricas e fraldas descartáveis infantis no RJ;
repelentes para insetos e filtros solares no RJ;
pão de queijo em MG;
farinha de milho, fubá, farinha de trigo, e farinha de mandioca em SP;
erva-mate em SC, PR e MG;
goma de mandioca (tapioca) em diversos estados das regiões Norte e Nordeste;
salmão, bacalhau, hadoque, rã e queijo de coalho no CE.
Reforma tributária
Promulgada no fim do ano passado, a reforma tributária sobre o consumo prevê a substituição de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por dois impostos sobre valor agregado, um federal e outro dos estados e municípios.
Como a Reforma Tributária vai simplificar a definição de preços
Além disso, também haverá o imposto seletivo e um IPI para manter a competividade da Zona Franca. As alíquotas ainda não foram definidas.
Um dos principais pontos da reforma tributária é justamente os itens da cesta básica. Há previsão de que alguns produtos terão isenção, enquanto outros terão alíquota reduzida (40% do valor total).
A discussão sobre quais produtos serão contemplados com quais benefícios ainda não foi feita. Ela ocorrerá neste ano, quando há expectativa de que será feita a regulamentação da reforma tributária.
A forma como será concedido o benefício para a população carente também está em debate. Alguns analistas defendem a cobrança de imposto e o uso do “cashback”, devolução do tributo pago apenas para a população pobre. Avaliam que isso focalizaria o benefício em quem realmente precisa, enquanto a redução generalizada de tributos favoreceria também quem tem renda mais alta.
Um ponto importante do debate é o tamanho da renúncia fiscal, ou seja, do montante de tributos que o governo deixa de receber anualmente.
Entenda em 7 pontos a reforma tributária
Ao desonerar a cesta básica, o governo abre mão de arrecadação. Isso agrava o rombo das contas públicas – que somou R$ 230 bilhões no ano passado. O governo busca zerar o déficit neste ano.
Segundo estimativa da Receita Federal, a desoneração da cesta básica custará R$ 39 bilhões aos cofres públicos em 2024.
Além da renúncia de fiscal, ou seja, do valor que o governo deixa de arrecadar, outra discussão é o impacto da cesta básica no tamanho do imposto que será cobrado sobre o consumo de outros produtos — a chamada alíquota geral.
Estimada, por enquanto, em cerca de 27,5% – entre as maiores do mundo -, a alíquota geral dos futuros IVAs (impostos sobre o consumo) pode ser ainda mais pressionada para cima se a lista dos produtos incluídos na cesta básica com alíquota zero for muito extensa, segundo o alerta de especialistas.
Debate
A secretária de Segurança Alimentar do MDS, Lilian Rahal, afirmou que o decreto da nova cesta básica “pode ser um orientador” do governo na redação da proposta de regulamentação da reforma tributária que será enviada ao Congresso.
A secretária de Segurança Alimentar do MDS, Lilian Rahal, afirmou que o decreto da nova cesta básica “pode ser um orientador” do governo na proposta de regulamentação da reforma tributária.
Divulgação/MDS
A expectativa na pasta é que os alimentos que constam no decreto da nova cesta básica sejam contemplados na lista de produtos isentos ou com redução de impostos.
“Discutir essa cesta básica do ponto de vista tributário pode corrigir uma série de distorções. Por que só os produtos à base de trigo e milho são privilegiados do ponto de vista da isenção hoje? Isso pode apoiar uma reforma tributária que seja mais compatível com a política de saúde”, diz Patricia Gentil, diretora de Promoção da Alimentação Adequada e Saudável do MDS.
Em nota divulgada no fim do ano passado, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) avaliou que a isenção total da cesta básica nacional beneficiaria “principalmente os mais vulneráveis”.
A Abras também entendeu, na ocasião, que o chamado “cashback” — devolução de impostos pagos somente aos mais pobres — poderia ter o efeito não desejado de aumentar impostos.
Isso porque, segundo a associação, não está claro como será feito o cashback nem o público que receberá. A falta de transparência, de acordo com a Abras, pode gerar custos.
“A entidade [Abras] considera o cashback uma medida ineficiente, obrigando a todos, inclusive os mais pobres, a pagar impostos mais altos nos supermercados, diminuindo seu poder de compra. Seria mais eficiente ampliar a desoneração dos alimentos da cesta básica estendida de 60% para 80%, do que criar um mecanismo de devolução”, afirmou a Abras.
Enquanto o novo modelo da cesta básica é criticado por produtores e pelo comércio, estudos apontam que o uso do “cashback” seria uma alternativa menos custosa e mais eficaz para beneficiar a camada mais pobre da população, favorecendo a redistribuição de renda.
Estudo do Banco Mundial, divulgado no fim de 2023, diz que uma isenção ampla dos itens da cesta básica pode beneficiar os mais ricos em termos absolutos, ao mesmo tempo em que o uso de um “cashback” direcionado pode ser mais eficaz para aliviar a carga tributária sobre os mais pobres e redistribuir a renda.
O Centro de Liderança Pública (CLP), uma organização suprapartidária que busca um Estado mais eficiente, avaliou, por meio de nota em 2023, que o “cashback” reduziria a regressividade dos impostos sobre o consumo no Brasil, que ocorre quando a incidência dos tributos afeta proporcionalmente os mais pobres.

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