Exército deu licença de CAC para condenados por tráfico e homicídio, diz TCU

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Documento aponta fragilidades no sistema de comprovação de idoneidade de quem pede autorização para ter armas como colecionador, atirador desportivo e caçador.
Relatório do TCU aponta para falhas no sistema de registro de armas.
Reprodução
Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que o Exército emitiu licenças de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs) para condenados por crimes como tráfico de drogas e homicídio, além de pessoas com mandados de prisão em aberto. O documento foi revelado pelo Estadão e obtido pelo blog nesta segunda-feira (4).
O relatório sigiloso trata do controle de armas entre 2019 e 2022, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), em resposta a uma Solicitação do Congresso Nacional. O TCU obteve cópia dos bancos de dados do Sistema de Gerenciamento de Armas e do Sistema de Controle de Venda e Estoque de Munições, o que possibilitou análises e cruzamento de dados com diversas bases.
O tribunal reforça que há requisitos comuns a todas as formas de obter acesso a armas de fogo, como:
comprovação de idoneidade (por meio de certidões negativas de antecedentes criminais);
ocupação lícita;
residência certa;
capacidade técnica;
aptidão psicológica.
De acordo com o TCU, a “comprovação de idoneidade dos requerentes de registro possui sérias fragilidades”, sendo que algumas dessas fragilidades surgem da “não utilização pelo Comando do Exército de todas as ferramentas disponíveis” e “da falta de atuação conjunta de diferentes órgãos e entes federativos”.
Acontece que pessoas em cumprimento de pena puderam obter, renovar ou manter os Certificados de Registro (CR). Segundo o relatório, 1.504 pessoas tinham processos de execução penal ativos no momento do pedido e não foram barradas. Outras 2.993 foram condenados depois do pedido.
O Exército liberou ainda o registro para 1.056 pessoas com mandados de prisão em aberto. Outras 1.737 tiveram decretação de prisão após a solicitação.
Foram concedidos registros para condenados por tráfico de drogas, homicídio, lesão corporal, porte ilegal de arma de fogo – tanto de uso permitido como restrito-, disparo de arma de fogo, entre outros.
O tribunal aponta que a falta de eficácia na comprovação de idoneidade por antecedentes criminais pode ser prejudicada pela falta e unificação a nível nacional.
“Ao restringir a comprovação de idoneidade à unidade federativa (UF) atual de domicílio –, pode ter exacerbado essa fragilidade, que não parece ter sido suficientemente mitigada na regulamentação emitida em 2023 – haja vista essa comprovação ainda estar vinculada a locais declarados de domicílio”, ressalta.
O g1 questionou o Exército sobre as informações do relatório do TCU, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
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Veja, abaixo, alguns dos apontamentos do TCU:
📌Falha na verificação
Relatório do TCU aponta falhas no registro de armas pelo Exército.
Daniel Ramalho/AFP/Arquivo
De acordo com o documento, o Exército “não verifica a habitualidade dos atiradores desportivos, característica que os define, quando da renovação do CR (Certificado de registro). Tampouco verifica a veracidade das informações de habitualidade durante as fiscalizações de entidades de tiro”.
Para o TCU, essa falta de fiscalização aumenta a possibilidade de manipulação por pessoas que desejam obter armas de fogo para motivos não previstos na regulamentação.
📌Caçadores não comprovados
O relatório aponta que apenas 10,37% das pessoas físicas que tiveram o CR de caçador concedido ou reavaliado no período obtiveram autorização junto ao Ibama para a realização da atividade de caça, o que indica desvio de finalidade.
Entre os 50 maiores donos de acervo de caça, apenas 22 solicitaram essa autorização.
📌Atiradores
O documento diz que a “Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército foi incapaz de fornecer dados confiáveis relacionados à quantidade de vistorias/fiscalizações de CACs e de entidades de tiro”.
📌Falha no cruzamento de dados
De acordo com o TCU, as vistorias/fiscalizações de CACs baseiam-se em avaliações de riscos que ignoram riscos relevantes e que não utilizam informações e ferramentas úteis e disponíveis. De acordo com o relatório, foram identificados:
35.696 armas com status “OK”, vinculadas a 14.691 Certificados de Registros (CR) cancelados;
49.763 armas de fogo “OK”, vinculadas a 23.451 CR vencidos;
2.579 CR ativos vinculados a falecidos;
21.422 armas com status “OK, vinculadas a falecidos;
22.493 CAC que possuem ao menos uma arma constam no CadÚnico, o que indica incompatibilidade de renda.
📌Controles menos rígidos para militares
De acordo com o parecer do TCU, os requisitos de idoneidade e de aptidão psicológica previstos aos cidadãos que desejam obter acesso a armas de fogo são mais rigorosos do que os aplicados aos detentores de portes de arma institucionais pertencentes às Forças Armadas e aos órgãos policiais subordinados ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Isso porque o porte é tratado internamente como um direito da categoria, o que o TCU aponta ser incompatível com a lei.
O tribunal encontrou 581 processos de execução penal registrados no nome de militares do Exército, Aeronáutica e Marinha com certificado de registro. Também foram identificados 219 mandados em aberto e 2,4 mil boletins de ocorrência. Dos processos já em execução penal, 46 são por lesão corporal, 21 por homicídio, 15 por estupro de vulnerável e oito por tráfico de drogas.
Em que pese os controles serem mais frouxos também para servidores da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal, o TCU não conseguiu ter acesso ao banco de dados utilizados por eles.
O relatório destaca ainda ter identificado 48 certificados de registro para militares falecidos, 14 deles ativos. Embora o número não seja grande, chama a atenção o volume de armas que constam no sistema como em posse dessas pessoas: 4.294, sendo 180 de uso restrito. Pelas regras, os herdeiros deveriam ter comunicado o falecimento e ter transferido a propriedade.

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