Lei da Saidinha: entenda como funciona e para que serve o exame criminológico, que passa a ser obrigatório para todos os presos

Sancionada pelo presidente Lula, nova regra obriga que o preso passe por exame criminológico para progredir de regime de prisão. Entidades criticam eficácia de exame e apontam para gasto anual de R$ 66 milhões apenas em SP. Presidente Lula sanciona com vetos projeto sobre saidinha de presos
O presidente Lula (PT) sancionou com vetos na noite de quinta-feira (11) a nova lei das saidinhas (lei nº 2.253/2022), regra que mantém as visitas de presos aos seus familiares e define uma série de normas mais rígidas aos detentos.
Entre as regras, está a obrigação de que todos os presos passem por um exame, chamado criminológico, para poder progredir de pena até a sua liberdade.
Segundo a Presidência, Lula acatou uma recomendação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para manter o direito à saída temporária dos presos do semiaberto para visita a familiares. O texto original da lei proibia a saidinha para todos os presos.
A lei sancionada pelo presidente define que todos os presos têm de fazer o exame no momento de entrada nos presídios e a cada mudança de regime de pena (leia mais abaixo) até voltar ao convívio em sociedade.
Nesta reportagem você vai ver:
O que é e para que serve o exame criminológico?
Como o preso pode cumprir sua pena?
Quem realiza o exame?
Quantos profissionais existem hoje no sistema prisional?
Qual impacto da nova lei?
1. O que é e para que serve o exame criminológico?
O exame criminológico tem como função definir questões individuais para que cada preso cumpra a sua pena antes de voltar ao convívio em sociedade. Para isso, o indivíduo passa por avaliação psicológica e social para classificá-lo conforme seus antecedentes e sua personalidade.
Antes da mudança, todos os presos deveriam fazer um exame criminológico ao entrarem no sistema prisional para traçar como seria o cumprimento de sua pena, o que tem como objetivo individualizar a punição. Contudo, na prática, a obrigação para a realização do exame ocorria apenas em caso de pedidos de juízes.
Com a nova regra, todas os detentos têm de passar pelo exame a cada nova etapa (mudança de regime) e traçar uma evolução até a sua ressocialização.
2. Como o preso pode cumprir sua pena?
Cada indivíduo é punido de acordo com o crime que pratica e pode, ou não, ser preso como um meio de pagar pelo crime cometido. As pessoas condenadas podem cumprir pena em alguns regimes:
Regime fechado: quando o preso fica 24 horas em um presídio e tem – ou não – direito a banho de sol;
Regime semiaberto: quando o preso passa parte do dia no trabalho ou estudando e retorna para a unidade prisional à noite, para dormir;
Regime aberto: quando o indivíduo ainda possui pendências com a Justiça, como ter de se apresentar regularmente em juízo para comprovar que segue todas as restrições, como estar em casa a partir das 22h, mas está em convívio com a sociedade.
Desse modo, se um indivíduo cumpre pena em regime fechado, ela terá de passar por um exame criminológico no momento em que estiver apto a passar para o regime semiaberto. O mesmo ocorre do semiaberto para o aberto.
Governo veta trecho do PL da “saidinha de presos”
3. Quem realiza o exame?
A Lei de Execuções Penais, de 1984, define que uma comissão técnica formada por cinco profissionais, entre eles um psicólogo, um assistente social e um médico psiquiatra, realize o exame criminológico.
Os profissionais identificam questões específicas do indivíduo e o direcionam para determinadas etapas de ressocialização. Não há uma diretriz nacional que defina o que deve ser analisado neste exame.
Para especialistas ouvidos pelo g1, há o risco de questões morais se sobressaírem nas análises, o que pode dificultar as progressões dos presos, como o fato de não terem residência física ou família constituída, por exemplo.
4. Quantos profissionais existem hoje no sistema prisional?
Estatísticas de população carcerária da Secretaria Nacional de Polícias Penais (Senappen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, e dados de profissionais do sistema prisional obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) da Controladoria Geral da União (CGU) indicam que há no Brasil:
1 assistente social para cada 550 presos;
1 psicólogo para cada 617 presos;
1 psiquiatra para cada 2.793 presos.
Há casos de estados, de acordo com informações obtidas via LAI, em que não há nenhum psiquiatra contratado para o sistema prisional, como no Amapá. Também há sistemas prisionais com 1 psiquiatra para cada 11.688 presos, situação de São Paulo.
5. Qual impacto da nova lei?
Nota técnica feita por 69 entidades, dentre as quais a Defensoria Pública de oito estados, aponta para uma série de problemas ao exigir a realização do exame criminológico. Um dos pontos destacados é o gasto não previsto pelo Projeto de Lei, agora lei em vigor.
De acordo com as entidades, apenas o estado de São Paulo teria um custo de R$ 66 milhões para realizar os exames em cada preso no período de um ano.
O documento usou como base os mais de 102 mil pedidos de progressões de pena entre dezembro de 2022 e novembro de 2023. Cada exame custa aos cofres públicos R$ 648,85, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) de São Paulo que constam na nota.
Com base nesses valores, o gasto com exames criminológicos beira o orçamento destinado, em 2024, à Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência de SP, que é de R$ 69,2 milhões.
O diretor-executivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Bruno Shimizu, considera a lei um retrocesso por obrigar presos a passarem por “exames pseudocientíficos”. Ele avalia que a nova regra, “na prática, acaba com a progressão de pena” e pode acarretar em problemas na administração de presídios.
“É inconstitucional do ponto de vista material porque acaba com a progressão de pena. Outro problema é a explosão da população carcerária com a falta de progressão de regime, seja pela falta de exame ou por exames indeferidos. A demora para a progressão faz com que se cumpra a pena de ponta a ponta antes que seja feito um exame”, analisa.
Aprovação no Congresso
A proposta que restringe a “saidinha” foi aprovada em definitivo pela Câmara em março, com o objetivo de modificar trechos da legislação que trata da saída temporária de presos.
Na ocasião, a liderança do governo na Câmara optou por não se envolver na votação e liberou a base governista para votar como quisesse.
Agora, o veto será analisado por deputados e senadores, que poderão manter ou derrubar a decisão do presidente.
Antes da sanção da nova lei, a saída temporária permitia que os detentos do regime semiaberto visitassem a família, realizassem cursos (profissionalizantes, de ensino médio e ensino superior) e fizessem atividades de retorno ao convívio social.
O texto que saiu do Congresso manteve a permissão da saída apenas no caso de detentos de baixa periculosidade que forem realizar cursos estudantis ou profissionalizantes.
As saídas temporárias, previstas pela Lei de Execução Penal, são concedidas, exclusivamente, a detentos do regime semiaberto que já tenham cumprido um sexto da pena total e, também, que tenham bom comportamento.

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