Por que casos de stalking praticados por mulheres são mais raros

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Denúncias à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos mostram que mulheres são 86% das vítimas. Especialistas apontam normalização do ódio contra mulheres e cultura machista como culpados. Casos em que a mulher persegue o homem são incomuns, segundo especialistas e dados oficiais
Montagem/g1
Casos de mulheres autoras de de stalking — como o de Kawara Welch contra um médico em Minas Gerais, exibido pelo Fantástico — são mais raros.
Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do governo federal, 76% das 5.105 denúncias desse crime recebidas de 2022 ao primeiro trimestre de 2024 pelos telefones Disque 100 e Disque 180 são contra homens.
As mulheres, por outro lado, são a absoluta maioria das vítimas – 84%, segundo a Ouvidoria.
As queixas à ouvidoria nacional são uma pequena parcela do fenômeno. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apenas entre 2021 – quando a lei que define o crime de stalking foi criada – e 2022 (último dado disponível), 84,7 mil mulheres foram vítimas do delito. Não há dados sobre quem são os autores nem sobre os crimes contra homens (veja abaixo os dados por estado).
As denúncias à polícia também não refletem o tamanho do problema. Vítimas se sentem fragilizadas para denunciar, e mesmo a denúncia pode demorar a resolver o problema.
E por que as mulheres são mais vítimas, e não autoras de stalking?
A normalização do ódio contra mulheres é um dos motivos pela prevalência de perseguição contra o gênero, diz a pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Juliana Brandão.
“A gente está num contexto de ascensão dos crimes de ódio e acaba que essas atitudes de misoginia que acabam naturalizando e desvalorizando as mulheres também têm ganhado muito mais espaço”, completa Juliana Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ela ressalta que o crime de perseguição foi criado em 2021 justamente para enquadrar como crime mais práticas de violência contra a mulher. Quando não havia lei específica para a perseguição, havia ainda mais dificuldade de denunciar e criminalizar os agressores.
Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), acrescenta que por trás de alguns casos existe a cultura machista reforçando estereótipos do homem que tenta conquistar a mulher a todo custo.
“Na cabeça de muitos homens, o que eles estão fazendo é literalmente a corte, eles estão cortejando, não perseguindo a mulher.”
Além disso, Ludmila aponta que pode haver uma subnotificação de casos de stalking contra homens, por vergonha deles de denunciar.
Casos de stalking podem anteceder crimes mais graves
Estudos acadêmicos comprovam o stalking pode ser o primeiro indício do começo de processos que terminam com crimes graves de violência contra mulher, como lesão corporal, estupro e feminicídio, que somam milhares de casos por ano.
“A literatura [acadêmica] chega a até apontar que, em casos de stalking, há um fator de risco para feminicídio aumentado em até cinco vezes”, diz Juliana Brandão, pesquisadora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Com esse medo, com esse temor psíquico, isso vai enredando a mulher e de alguma forma também a colocando numa situação de ainda maior vulnerabilidade.”
Nesses casos, o stalking virtual é um ponto de preocupação para pesquisadores do tema, pela facilidade que o método garante a agressores para rápida disseminação das ameaças.
“Muitas vezes é uma perseguição, uma violência [virtual], que sequer é visível. Demora para que a vítima se dê conta de que aquilo tá acontecendo com ela”, pontua Brandão.
Na maioria dos casos, o agressor não desiste após várias negativas, o que pode fazer a vítima mudar de residência e desenvolver transtornos mentais. A misoginia costuma acompanhar a insistência, com mensagens de teor sexual e ameaças.
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O médico que foi perseguido por Kawara Elch chegou a registrar 42 boletins ocorrências desde 2019. A Justiça determinou a prisão preventiva dela apenas em 2023, depois que a mulher já tinha feito ameaças e invadido duas vezes o consultório da vítima.
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Crescimento da violência contra a mulher
De 2021 a 2022, dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os casos de stalking contra mulheres passaram de 30.783 para 53.918 casos. São 155 casos por dia.
O comparativo entre os casos mostra que o aumento se deu também em outros crimes e indicadores de violência contra mulher de 2021 para 2022.
Feminicídios: de 1.347 casos para 1.437.
Estupros: de 981 casos para 1.033
Tentativas de feminicídios: de 2.181 para 2.563
Medidas protetivas de urgência concedidas: de 398.798 para 445.456;
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Daniel Ivanaskas/G1
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