STF retoma nesta madrugada, no plenário virtual, debate sobre ampliação do foro privilegiado

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar, a partir da madrugada desta sexta-feira (12), o julgamento que pode, na prática, ampliar o alcance da regra do foro privilegiado de autoridades na Corte. O julgamento se dá no plenário virtual, ambiente digital do STF.
Há cinco votos a favor da tese que define que, no caso dos crimes funcionais – praticados no exercício da função pública – o foro privilegiado deve ser mantido mesmo após a autoridade deixar o cargo.
A proposta de tese foi feita pelo ministro Gilmar Mendes, em dois casos criminais que tramitam no Supremo. Seguem na linha do decano os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
O caso será retomado após o pedido de vista (mais tempo de análise) do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do tribunal.
Em meio à volta do tema ao debate no Supremo, a Câmara dos Deputados se movimenta para aprovar uma mudança na Constituição sobre o tema.
Entenda o que é o foro privilegiado e o que está em jogo.
O que é foro privilegiado?
O foro privilegiado – chamado de foro especial por prerrogativa de função – é um mecanismo definido na Constituição pelo qual algumas autoridades, por conta do cargo público que ocupam, têm o direito de serem julgadas por crimes comuns ou de responsabilidade em tribunais ou em Casas Legislativas.
No caso dos crimes comuns (a maior parte deles definidos no Código Penal), para algumas autoridades, a ação penal vai começar diretamente nos tribunais, definidos pela Constituição de acordo com cada cargo. Ou seja, se uma autoridade comete um crime, um processo contra ela não começa na primeira instância da Justiça, como acontece com os cidadãos comuns.
Por exemplo: o presidente da República é julgado, no caso de crimes comuns, pelo Supremo Tribunal Federal; já os governadores têm seu caso analisado diretamente pelo Superior Tribunal de Justiça.
O objetivo do mecanismo é garantir que estes agentes possam atuar com autonomia e atendendo aos interesses da sociedade. A ideia é evitar pressões indevidas e garantir a supremacia do interesse público. Isso porque quem exerce a função pública teria a garantia de que eventuais processos criminais seriam julgados por tribunais, órgãos colegiados, com magistrados mais experientes que os juízes singulares da primeira instância.
Quem tem direito?
Têm direito ao foro privilegiado autoridades como juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, integrantes do Ministério Público, prefeitos, governadores, deputados estaduais, federais e distritais, senadores, ministros do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, o presidente da República, entre outros.
Qual é a história do foro no Brasil?
A primeira Constituição do país, a de 1824, já mencionava uma espécie de foro, quando dizia que cabia Senado imperial “conhecer dos delictos individuaes, commettidos pelos Membros da Familia Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, e Senadores; e dos delictos dos Deputados, durante o periodo da Legislatura”
Ao longo da história, outras constituições também estabeleceram os tribunais ou Casas Legislativas por onde começariam a tramitação de processos contra as autoridades. Isso aconteceu, por exemplo, nos textos constitucionais de 1891, 1934, 1946 e 1967.
Qual é a posição do Supremo sobre o foro ao longo da história?
Ao longo do tempo, o Supremo fixou entendimentos sobre a aplicação do foro privilegiado.
Já teve, por exemplo, suas conclusões sintetizadas em uma súmula, que tratava justamente da extensão do foro após o exercício do cargo.
A Súmula 394 dizia que, no caso de crimes funcionais (exercidos na função pública), o foro deveria ser mantido, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem iniciados depois do exercício do cargo. Esta súmula foi cancelada no fim dos anos 1990.
Qual é a atual posição do Supremo sobre o tema?
O entendimento mais recente do Supremo em relação ao foro é de 2018. Na ocasião, os ministros decidiram reduzir o alcance do foro privilegiado de deputados e senadores. Permaneceriam no tribunal somente os casos envolvendo crimes ocorridos durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo parlamentar.
Além disso, definiram que o processo não deixa mais o STF quando chega a uma determinada fase: o fim da instrução processual, marcado pela conclusão do período de coleta de provas e intimação da Justiça para apresentar os argumentos finais, antes do julgamento.
Com isso, quando um político que responde a processo no tribunal (por ter cometido o crime no cargo e em razão dele) deixa o mandato após a instrução, por qualquer motivo, ele deverá necessariamente ser julgado pela própria Corte, para não atrasar o processo com o envio à primeira instância.
A tese que vale até o momento diz:
“O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
“Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.
Como a questão voltou a ser discutida no Supremo?
A proposta sobre o foro privilegiado está sendo discutida no âmbito de dois casos que tramitam na Corte.
No primeiro, os ministros julgam um pedido do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), para levar ao STF uma denúncia apresentada contra ele na Justiça Federal.
O outro caso é um inquérito que investiga a ex-senadora Rose de Freitas (MDB-ES) por corrupção passiva, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O que pode mudar no entendimento do Supremo?
O ministro Gilmar Mendes, autor da questão de ordem que suscitou a discussão, propôs uma tese que trata do alcance do foro privilegiado após a autoridade deixar o cargo, quando se trata de um crime cometido no exercício da função.
A proposta é: “a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
Ou seja, quando o crime tiver sido cometido na atividade pública, o caso se mantém no tribunal mesmo depois de autoridade deixar o posto. Isso valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros.
Esse procedimento não ocorreria com crimes praticados antes da função pública, que seriam julgados pelas instâncias inferiores.
O decano da Corte afirmou que sua proposta não pretende “suplantar a jurisprudência em vigor” – ou seja, o entendimento de 2018, mas sim “apenas aperfeiçoá-la”.
Para Mendes, a regra atual que mantém o foro em casos que estão no fim da instrução processual não resolve o que considera uma brecha: “a alteração da competência pela vontade do acusado”.
“O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais, para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa”, pontuou.
O ministro propôs que a nova interpretação seja aplicada de forma imediata nos processos em curso, mantendo válidos todos os atos processuais que ocorreram tendo como base o entendimento anterior.
Acompanham Gilmar Mendes os Flávio Dino, Dias Toffoli, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.
Dino propôs um complemento para a tese do decano: “Em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo Tribunal competente”.
O julgamento será retomado no dia 12 em ambiente virtual, quando ministros apresentam seus votos diretamente em uma página da Corte, sem discussão em sessão presencial. A análise vai até o dia 19 de abril, se não houver novo pedido de vista (mais tempo de análise) ou de destaque (que leva o caso para deliberação presencial).

You May Also Like

More From Author

+ There are no comments

Add yours