Chefe de gangue que domina ruas no Haiti, Jimmy ‘Churrasco’ se opõe a transição de governo e diz que ‘povo haitiano escolherá’ futuro governante

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Primeiro-ministro Ariel Henry anunciou na segunda-feira (11) que deixará o cargo assim que um conselho de transição for instaurado pela Comunidade do Caribe (Caricom). O futuro do país está sendo planejado em duas vias: uma envolvendo a política, a outra focada no poder das gangues. Jimmy “Churrasco” Chérizier, líder de uma das gangues que dominam as ruas do Haiti, fez coletiva de imprensa altamente armado após renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry.
Odelyn Joseph/AP
O chefe de uma das gangues que dominam as ruas do Haiti, Jimmy “Churrasco” Chérizier, disse na última segunda-feira (11) que “o povo haitiano irá escolher quem irá governá-lo”.
É uma mostra de como o Haiti terá que lidar com a saída do primeiro-ministro Ariel Henry, que anunciou a renúncia do cargo —também na segunda. Henry está em Porto Rico: as gangues atacaram o aeroporto de Porto Príncipe para impedir a volta dele ao país.
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O futuro do país está sendo planejado em duas vias: uma envolvendo a política, a outra focada no poder das gangues.
Jimmy “Churrasco”, deu uma entrevista coletiva em Porto Príncipe —fortemente armado— assim que a saída de Henry foi anunciada. Além de dizer que caberá ao povo do Haiti escolher o governante, mandou um recado de que não será aceita uma solução liderada ou apoiada pela comunidade internacional.
Os políticos haitianos viveram nesses dois mundos por décadas, especialistas disseram à Associated Press. Na superfície, políticos e os interesses empresariais governam o Haiti pela lei, enquanto, por outro lado, empregam gangues para impor a sua vontade nas ruas caóticas do país.
Segundo especialistas, a causa imediata mais importante que levou a esse cenário foi a crescente dependência dos governantes haitianos em relação às gangues de rua —que se sentem confortáveis para dar entrevistas coletivas, como a de Jimmy “Churrasco”.
Ariel Henry em Nairóbi, no Quénia, em março de 2024
Andrew Kasuku/AP
Ao anunciar a renúncia, Henry afirmou que deixará o poder assim que um conselho de transição for instaurado. Segundo a Caricom (Comunidade do Caribe, da qual o Haiti faz parte), o conselho de transição haitiano será composto por dois observadores e sete membros com poder de voto, incluindo representantes do setor privado, da sociedade civil e da Igreja.
Autoridades dos Estados Unidos afirmaram que a decisão sobre a renúncia de Henry foi tomada na sexta-feira (8).
Mas as gangues, que querem eleições, vão influenciar no processo, analisa Robert Fatton, professor de governo e assuntos estrangeiros na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos.
“As gangues começaram a ganhar autonomia nos últimos três anos, e agora são um poder por si só. A autonomia desses grupos atingiu um ponto crítico. É por isso que agora são capazes de impor certas condições ao próprio governo”, disse Fatton.
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Sem exército permanente
O Haiti não tem um exército permanente ou uma força policial nacional bem financiada e robusta há décadas. Além disso, intervenções da Organização das Nações Unidas (ONU) —uma delas liderada pelo Brasil— e dos Estados Unidos foram insuficientes para consolidar uma tradição de instituições políticas fortes no país. Isso levou líderes haitianos a usar civis armados como ferramentas para exercer o poder.
Com isso, políticos do país começaram a usar gangues, que começaram a se formar na década de 1990, como um braço armado de baixo custo para exercer seu poder em meio a um cenário de frágeis instituições políticas.
Décadas depois do uso sistemático dessa prática pelos políticos haitianos, o Estado enfraquecido do país está cada vez mais nas mãos das gangues, que detêm cada vez mais força.
Nas últimas semanas, por exemplo, as gangues ajudaram mais de 4.000 pessoas presas a fugir da cadeia.
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Políticos colaborando com gangues
Jean-Bertrand Aristide, um padre transformado em político, ganhou notoriedade por usar bandidos. Ele foi deposto por militares na década de 1990, o que levou a um embargo da comunidade internacional ao país.
O embargo e o isolamento internacional impactaram a pequena classe média do país, segundo Michael Deibert, autor de “Notas do Último Testamento: A Luta pelo Haiti” e “Haiti Não Perecerá: Uma História Recente”.
Depois que uma força de paz da ONU apoiada pelos EUA expulsou os líderes do golpe em 1994, um ajuste estrutural patrocinado pelo Banco Mundial levou à importação de arroz dos EUA e devastou a sociedade agrícola rural, disse Deibert. Com isso, jovens sem trabalho em Porto Príncipe começaram a entrar para gangues.
Em dezembro de 2001, o oficial de polícia Guy Philippe atacou o Palácio Nacional em uma tentativa de golpe e Aristide chamou os bandidos para se levantarem dos bairros pobres, disse Deibert.
“Não foram a polícia defendendo o Palácio Nacional do seu governo,” lembrou Deibert, que estava lá. “Foram milhares de civis armados.”
“Você tem esses diferentes políticos que têm colaborado com essas gangues por anos, e agora isso explodiu na cara deles”, disse Deibert.
Segundo Robert Fatton, todos os atores-chave na sociedade haitiana tinham suas gangues, observando que a situação atual não é única, mas esse cenário se deteriorou rapidamente nos últimos anos.

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